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domingo, 29 de agosto de 2010

Baldur


É o deus-Sol da alegria e da pureza
Em Asgard e na Terra, é alegria
Filho de Odin e de Frigg, a mãe-deusa
Bondade e doçura o deus possuía.

Morto por Lóki, com sua vileza
Seu irmão cruel, com visco, no dia
Em que os deuses testavam sua destreza
Levou de todos os seres simpatia

E a volta de Baldur, Hella não permitiria
Os homens aguardam sua beleza
Pois sem Baldur nos falta a gentileza
Que no fim dos tempos emergeria
É o deus-Sol da alegria e pureza.

sábado, 28 de agosto de 2010

THOR


É o deus que vence a dificuldade,
De apetite voraz, voz estrondosa,
Filho de Odin e da fecundidade,
Aos casados dá vida gloriosa.

Mjolnir, seu martelo, vence a maldade,
Mas quando Thrym faz troca monstruosa
Da deusa Freyja pede a beldade,
Nosso herói faz uma noiva dengosa.

Esperava Thor a chance bondosa,
Que com o martelo faz-se realidade,
Aproveitando a oportunidade,
A morte de Thrym faz escandalosa.
É o deus que vence a dificuldade.

Morte amiga





A morte é amiga se a vida é lamento,
ver a dor de quem se ama é o maior tormento.
Dia-a-dia vêm as dores a todo momento
O tique e taque do relógio é sem lenimento.

Ora geme, ora chora, é seu curtimento.
Nunca chega a certa hora deste fim sedento.
Só lhe resta ir embora, sem envolvimento.

Fecha os olhos, rememora seus cumprimentos.
Nada há dentro, a vida é fora, sem cabimento

A morte o leva, é agora o seu pagamento.

domingo, 22 de agosto de 2010

O rompimento



Mônica tinha dezoito anos e estava apaixonada por João. Porém, ele era filho de uma das famílias mais tradicionais de Avaré, enquanto ela era filha de um mecânico, cuja renda não era suficiente para cuidar bem de toda a família.

O pai de João era advogado e professor de História da Educação no Magistério da escola pública de Avaré. Seus pais eram a favor de que João fizesse um bom casamento, com uma moça de família tão tradicional quanto a deles. Porém, João também se apaixonara por Mônica. E como poderia ser diferente já que ela era uma moça muito bonita e inteligente?

Um dia, João resolveu presentear Mônica com um batom vermelho que comprara numa loja no centro de São Paulo, quando viajara para a cidade em suas férias. Achou que Mônica gostaria do batom, já que era um recente lançamento_ que apesar de cair bem em Mônica_ seria muito difícil dela poder comprar. Então, ele fez um embrulho muito delicado com laços, ou melhor, a vendedora da loja fizera, a seu pedido. Eles estavam namorando há alguns meses, é claro que era um namoro muito discreto, pois encontravam-se na praça da cidade, na porta da biblioteca ou em outros lugares públicos, todos os dias e dançavam nos bailes que aconteciam na cidade.

No dia em que João encontrara com Mônica para lhe dar o presente, ela se admirara, abrira o pacotinho com cuidado e quando viu que era um batom vermelho, admirou-se.

_Nossa, um batom vermelho? Puxa, que surpresa! Dissera Mônica ao desembrulhar o pacote.

_Eu achei que você gostaria. É a última moda em São Paulo. Estive lá neste final de semana e me lembrei de você. Achei que você ficaria muito bonita usando este batom. Experimente!

_Mônica abriu a bolsa e tirou um pequeno espelho de maquiagem. Utilizou-o para passar o batom.

_Nossa, Mônica, ficou demais! Disse João.

_Você gostou? Perguntou Mônica, olhando para o namorado.

_Gostei muito! Respondeu João aproximando-se de Mônica e a beijando. Só não foi um beijo demorado porque estavam sentados no banco da praça e não queriam chamar a atenção dos habitantes da cidade que pudessem estar passando pela praça, ou mesmo, que estivessem nas janelas de suas casas, observando o movimento das pessoas na rua.

Mônica, neste dia, voltou para casa radiante. Imaginava sua vida longa e feliz ao lado de João, que ela amava tanto. Seus pais, Sr. Ângelo de Dona Maria, observaram a filha chegar toda feliz em casa e nada disseram. Sua irmã Berenice, de quinze anos, apenas a vira chegar e perguntara:

_Tudo bem, Mônica?

_Tudo ótimo! Respondeu Mônica, sem dar muita atenção à irmã.

Dias depois, Berenice observava em silêncio a irmã entrar em casa. Tivera uma conversa com o Professor João Antônio de Almeida Queirós, pai do namorado da irmã. Nunca fora confidente de Mônica. Por isso, apesar do professor ter chamado Berenice para adverti-la quanto ao comportamento da irmã, deixando claro que era contra o relacionamento do filho com ela, Berenice tinha se mantido num silêncio respeitoso, principalmente quando viu a irmã entrar em casa chorando.

Maria percebeu o estado da filha, mas também não disse nada. Desconfiou que fosse alguma decepção amorosa e como estas fazem parte da vida, apenas deixou Mônica se acalmar para depois tentar conversar com ela. Berenice desconfiava a razão do choro: Joãozinho, depois de pressionado pela família, devia ter rompido o namoro.

Naquela época, os jovens prudentes não contrariavam os desejos dos pais quanto a um enlace matrimonial. Os casamentos raramente ocorriam por amor, apenas eram acordos entre as famílias dos noivos para se preservarem as propriedades ou os nomes das famílias. Era uma maneira de garantir o futuro dos filhos e dos netos.

As irmãs de Mônica, Alice e Teresa, haviam escolhido seus parceiros e seus destinos. Porém, só aos pobres era permitida esta liberdade. Ainda assim, nem todos os pobres, porque mesmo estes selavam acordos realizando o casamento de sua prole. Casamento por amor só existia na cabeça fantasiosa das mocinhas ignorantes de toda a verdade. Mas estas não demoravam muito para descobrir que o antigo pretendente, e atual marido, casara-se porque era o que a família desejava e não porque ficara encantado com a beleza ou juventude da moça.

Geralmente, depois do casamento, o que restava era a rotina e, em casos privilegiados, o respeito pelo acordo familiar dos antepassados. Estas regras eram o suficiente para manter os casais unidos, assim como as famílias. Porém, existia uma vantagem: o destino estava traçado e as pessoas estariam unidas pelo resto da vida. Os filhos, na melhor hipótese, nasceriam e viveriam acreditando que os pais se amavam e respeitavam. Assim, seu destino seria seguir o mesmo caminho dos pais.

Entretanto, quando qualquer um deles se apaixonava e desejava loucamente concretizar esta paixão, o equilíbrio familiar era posto em cheque e se, por acaso, o jovem se arriscasse, ele deixaria de contar com o apoio e o respeito da família e dos amigos. Ficaria sozinho. Por isso, sabendo que de qualquer modo não poderiam ter o que queriam, escolhiam ignorar a paixão e seguir a recomendação dos pais.

João seguiu as prescrições familiares e deixou Mônica. Esta chorou por dias, até que decidiu aceitar que não ficariam mais juntos. Então, pediu aos pais para ir viver com uma tia em São Paulo. Seus planos eram arrumar um emprego, estudar e cuidar da sua vida. Assim, teve fim mais uma história de amor.

A marca de batom



Naquela manhã, Berenice estava na aula de História da Educação. Com quinze anos, ela era aluna do primeiro ano de magistério. Estudava para ser professora. Era muito boa aluna, de memória fotográfica, quando fazia provas era capaz de se lembrar do número da página onde estava o que tinha lido. Terminando sua prova naquele dia, o professor João Antônio de Almeida Queirós, advogado, membro de uma das famílias mais respeitáveis da cidade de Avaré, chamou-a:

_Dona Berenice, quando a senhora terminar suas aulas no dia de hoje, passe em minha sala porque precisamos conversar.

_Sim senhor, professor João!

Berenice nem desconfiava de que fosse se tratar. Imaginava que pudesse ser a respeito de sua declarada posição a favor da amiga Maria Irina, que aparecera grávida. Porém, conforme os ditames dos bons costumes, mesmo se tratando de uma escola pública, Maria Irina poderia ser convidada a se retirar da escola, uma vez que era solteira e estava grávida. Afinal, as famílias das moças da cidade poderiam se recusar a que as filhas virgens_ conforme as prescrições da época_ fossem influenciadas pelo mau comportamento da colega, ficando mal faladas numa cidade tão pequena. Berenice achava que jamais poderia julgar qualquer pessoa principalmente no que dizia respeito a seu comportamento sexual.

Nesta época, finais da década de cinqüenta, a revolução sexual estava começando a surgir no mundo: em poucos anos a pílula anticoncepcional seria descoberta, os sutiãs seriam queimados em praça pública e a mulher seria aceita no mercado de trabalho. Até então, quando a moça estudava era para conseguir um bom casamento com um homem de cultura e posição social privilegiada, mas apenas isso.

Imagine só o escândalo se uma moça de dezessete anos aparecesse grávida? As famílias sempre viam com preconceito, nem admitiam que suas filhas tivessem qualquer tipo de relacionamento com moças nesta situação, como se gravidez ou desejo sexual fosse algo contagioso.

Berenice, para uma moça do interior nesta época, era muito liberal. Sabia que sexo não era algo contagioso, muito menos a gravidez. Seu pai, seu Ângelo, era um homem generoso e justo, não via com preocupação se as filhas fossem amigas de uma mãe solteira. Mas, é claro, que também não era a favor de que elas se tornassem uma. Ele sempre confiava que as filhas saberiam decidir e caso escolhessem errado, assumiriam suas responsabilidades. Este, pelo menos, foi o exemplo dado.

Assim, quando Maria Irina pediu ajuda ao professor João para que expusesse sua situação e perguntasse para as colegas se viam algum problema em que continuasse a freqüentar as aulas até que terminasse o magistério, o professor chegou para a classe de moças _ pois as escolas não eram mistas na época_ e lhes disse:

_Senhoritas, sua colega, a senhorita Maria Irina tem algo a lhes comunicar! Por favor, prossiga!

_Professor e colegas, antes que todos saibam, embora algumas aqui já estejam sabendo, eu e meu noivo Pedro Ernestino vamos ter um bebê. Estou lhes comunicando com o intuito de perguntar se alguma de vocês se opõe a que eu continue freqüentando as aulas normalmente até o final do curso, que ocorrerá em seis meses. Estou grávida de dois meses e tenho a pretensão de continuar assistindo às aulas para terminar o Magistério antes de me casar. Sim, porque Pedro e eu vamos nos casar e vamos cuidar da criança. Eu pedi ao professor João que me desse a autorização de me explicar e pedir o consentimento de vocês para que continuemos a freqüentar as aulas na mesma escola. Não pretendo, de forma alguma desrespeitá-las. Posso, inclusive passar a me sentar no fundo da sala, isolada das outras moças do grupo a fim de não comprometer ninguém. Doravante, também passarei a fazer qualquer trabalho ou estudo sozinha, a fim de não macular sua honra.

_ O que é isso, Maria Irina? Para mim você continuará a mesma colega de sempre e não vejo mal algum em que freqüente as aulas conosco, muito menos vejo a necessidade de que você fique isolada. Cada um deve apenas a sua consciência. Disse Berenice.

_Dona Berenice, suas colegas também precisam concordar com que Dona Maria Irina continue a freqüentar as aulas. Moças, as senhoritas concordam? Insistiu o professor João.

Eis que uma delas levanta a mão. Tratava-se de Maria Rita, irmã de Mário, namorado de Berenice:

_Professor João, eu concordo com que Maria Irina continue vindo às aulas, porém acho melhor que ela fique isolada mesmo. Já pensou o que vão falar de nós se nos virem ao lado dela? Se meus pais souberem que estou na mesma classe que uma moça que ficou grávida sem casar, eles vão comparecer à escola para saber quais medidas estão sendo tomadas.

_Muito bem, senhorita Maria Rita. A Dona Maria Irina terá um lugar separado no fundo da sala para que nenhuma das senhoritas se sinta desrespeitada a seu lado.

_Obrigada, professor João! Disse Maria Rita.

_Gravidez não é algo contagioso, Maria Rita! Gritou inconformada Berenice.

_Dona Berenice, já está decidido, portanto o assunto se encerra aqui!

_Tudo bem, professor!

Berenice abaixou a cabeça e nada mais disse a respeito. No entanto, sentira-se indignada com aquela atitude discriminatória. Imaginava que o professor João Antônio quisesse conversar a respeito deste incidente que ocorrera no dia anterior. Pelo menos, foi nisso que pensou quando o professor pedira para se dirigir a sua sala no final das aulas. Entretanto, quando entrou na sala, teve muitas surpresas.

_ Dona Berenice, sua irmã, a Dona Mônica, namora meu filho Joãozinho. Ora ambos sabemos que seu pai é um mecânico que nem ganha o suficiente para comprar roupas boas para os filhos. No entanto, minha esposa achou este lenço do meu filho sujo de batom. Estamos muito preocupados porque não somos a favor do casamento de nosso filho com sua irmã. Então, vá para casa e diga para seus pais segurarem a filha, porque se ela aparecer grávida, o meu filho não vai se casar com ela.

_Sim, senhor!

Berenice ouviu a advertência do professor João, porém aquilo nada lhe disse uma vez que ela e a irmã mal se falavam. Além disso, Mônica era três anos mais velha. Então, fossem quais fossem as intenções de sua irmã com o filho do professor, não considerava sua incumbência adverti-la. E também não contaria esta conversa para seus pais. Deixaria o Joãozinho e a Mônica resolverem o assunto por eles mesmos.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O mecânico jogador


Maria Astrogilda tinha vinte anos e seis filhos. Tinha uma vida difícil, pois como toda mulher na sua época, por volta da década de quarenta, seu trabalho era cuidar da casa, da roça e dos filhos. É só imaginar que o fogão era à lenha, o ferro era a vapor, a casa era de barro, com chão de terra, que para varrer precisava ser molhado. Por isso, em geral, todos viviam descalços, só aprendiam a usar sapatos quando, aos sete anos, começavam a ir à escola. A roça era o quintal de casa, onde plantavam arroz, feijão, milho e criavam galinhas e cabras.

O marido era mecânico de automóvel. Tivera um bom emprego na Ford do Brasil, vendendo tratores, porém quando casaram, ele deixara o emprego para arrendar um pedaço de terra na fazenda do sogro para consertar tratores e automóveis das redondezas. Nunca soubera trabalhar na terra, só entendia de máquinas; então era muito comum ficar se mudando, de região para região, onde tivesse veículos e precisassem de mecânicos. Não era um serviço muito rentável. Além disso, os calotes eram comuns.

_ Seu Ângelo, no fim do mês eu lhe pago!

Porém, o mês acabava e o dinheiro não dava. Para quem passara a infância e a juventude tendo do bom e do melhor, era frustrante ter seis filhos e vê-los com dificuldades e privações.

Um dia, Ângelo descobriu que um dos vizinhos tinha um cassino em casa, onde as apostas rolavam soltas. Ele aprendera a jogar pôquer quando fora convocado pelo exército e lutara na Revolução Constitucionalista. Na época, deixara Maria e as crianças com os sogros em Piraju. Servira por quatro anos, período em que recebera o soldo do exército e aprendera a apostar. Ganhara várias vezes e mandara um bom dinheiro para seus pais, que tomavam conta de Maria e das crianças. Porém, também perdera algumas vezes e ficara sem ter o que mandar.

Mês sim, mês não, o jogo acabou sendo um vício que o levava todo mês para a jogatina. Algumas vezes, Maria reclamara e dissera:

_Ângelo, é melhor pingar do que faltar. Pare de arriscar na mesa de jogo!

Mas o vício é terrível e o jogador sempre tem a possibilidade de ganhar. Porém esta vaga possibilidade o faz continuar à mesa de jogo até que não tenha mais nada o que perder. Aí, come-se com fiado, porém fica-se devendo cada vez mais.

Um dia, Maria perdeu a paciência, pegou os dois filhos menores: Berenice, com cerca de três anos, e José Carlos, com cerca de oito meses, e se dirigiu para o cassino do vizinho. Então, começou a gritar, fazendo tanto escândalo que os homens que jogavam saíram à janela para assistir à mulher louca, que carregava um filho no colo e segurava outro pela mão, chamando o marido aos berros.

Ângelo terminou seu jogo, pegou seu casaco e seu chapéu e saiu muito cabisbaixo da casa do vizinho para nunca mais voltar. Não se sabe se foi por não gostar de escândalo ou por ter se conscientizado da situação, a verdade é que Ângelo nunca mais jogou. Teve que aprender a viver com os limites que a vida lhe impunha.

É bem verdade que até o final da vida continuou jogando na loteria esportiva e acompanhando os jogos de futebol com seu radinho de pilha na orelha. Bem, pelo menos, é assim que lembro do meu avô.

domingo, 15 de agosto de 2010

Primeira Publicação


CONTO HISTÓRIAS

Conto histórias pra minha mãe,
Conto histórias pra minha filha,
E quando conto como elas mudam!
Pingam como gotas de chuva,
Florescem como margaridas,
Iluminam minha vida.
Enfeitam meu regaço
E se enrolam
Como novelos de linha.
Sempre tecendo,
Sempre entretendo.
Mas um dia elas se partem,
Dão novos nós
Costuram outros retalhos.
Tudo começa como trapos
E termina como espantalhos.
Gosto de contar histórias.
São verdadeiras ou fantasiosas?
São reais!
Isto já não importa,
Para mim são valiosas.

Alice na vida real


Verônica era uma jovem magra, delicada, bonita. Tinha trinta e cinco anos e era arquiteta. Estava começando sua vida amorosa com Luís Antônio, um rapaz formado em Processamento de Dados. Aliás, conheceram-se numa sala de chat, em que Verônica assumira o nome de Alice, já que a história de Alice no país das maravilhas sempre fora sua predileta. Depois de vários encontros virtuais, combinaram de se conhecer num sábado à tarde, no Shopping Paulista.

Daí, a amizade e o companheirismo virtuais passaram ao mundo real. Agora, depois de um ano de namoro, decidiam morar juntos num apartamento da Vila Madalena. Verônica nunca tivera nenhum problema de saúde, a não ser uma tosse alérgica e insistente, que aparecia principalmente nos períodos de inverno, em que trabalhava demais, ficando horas acordada em cima da prancheta para finalizar seus projetos.

Recentemente, Verônica trabalhava num escritório de arquitetura que adequava a acessibilidade de prédios comerciais aos deficientes físicos. Adequava as rampas, os corrimãos de escadas, os banheiros, as entradas, as saídas e passagens dos cadeirantes. Verônica comentava como os empresários brasileiros são ignorantes e preconceituosos em relação aos deficientes físicos. Pois, certa ocasião, ouvira de um empresário, quando concluía o projeto de um teatro, dizer:

_ Você não precisa se preocupar com passagem ou acento para cadeirante, afinal, quantos são no Brasil? Nós não tivemos guerras para que alguém tenha perdido um braço ou uma perna. Eles não são tantos assim!

Verônica ouvira sem discutir, porque quem pode manda, e quem tem bom senso obedece. No entanto, os deficientes físicos podem surgir dentro de vários fatores: genéticos (nesse caso, eles já nascem com determinadas deficiências), vítimas de paralisia infantil (neste caso, podem não ter tomado vacinas de acordo com as orientações médicas), vítimas de AVC ou quaisquer outros problemas circulares ou neurológicos. Na realidade, os deficientes físicos são em maior número do que se tem idéia, no entanto, só nos últimos anos, devido à legislação brasileira é que têm recebido a devida atenção. É o que se nota, por exemplo, nos estacionamentos de supermercado, nos shopping centers ou lojas de diversos tipos.

Verônica estava trabalhando em projetos de acessibilidade aos deficientes, quando, ironicamente teve que enfrentar o maior desafio de sua vida. Naquela manhã, fora ao escritório e agitada, como sempre, andava aflita para concluir um projeto a tempo. Foi à cozinha do escritório tomar café e um estranho tremor começou a agitar sua cabeça, o que apareceu logo junto com uma dor lancinante. Alguns colegas de trabalho estavam a seu lado e a viram tremer. Tiveram que dispor de um cesto de lixo para depositar o vômito repentino que tomou conta de seu corpo. Tentaram falar com ela, que mal podia responder. A única coisa que conseguiu dizer foi:

_Chamem o Luís Antônio!

Aflito, em poucos minutos, Luís apareceu e a levou ao Pronto Socorro do Hospital Itamaraty, o mais próximo da região em que estavam. Ao dar entrada no hospital, Verônica tinha o lado esquerdo do rosto paralisado. Sua dor de cabeça e seus tremores continuavam. Fizeram exame de sangue, achando que fosse causado devido à diabetes. Porém, apesar de ser uma doença hereditária, somente sua irmã mais velha a tinha. Depois de esgotarem os exames e as alternativas mais viáveis, fizeram uma tomografia do cérebro e descobriram que uma veia, na altura de sua testa, do lado direito, havia se rompido. Neste caso, a maioria das pessoas tem morte instantânea. Mas Verônica continuava consciente, com o lado esquerdo do rosto paralisado, mas consciente. Então, o neurologista apareceu na enfermaria da UTI e conversou com sua mãe, Dona Berenice:

_Precisamos fazer uma cirurgia no cérebro de Verônica para drenar o sangue da veia estourada e colocar um clipe, a fim de que ela não morra com uma hemorragia cerebral. A cirurgia é demorada e delicada, porém deve ser feita com urgência para que sua filha sobreviva.

Qualquer mãe no lugar de Berenice começaria a chorar de desespero e a rezar muito para que Deus não lhe levasse a filha. Foi assim que Berenice fez: continuou sentada no hospital até que a filha saísse do centro cirúrgico. Não lhe importava a fome, o cansaço ou os limites impingidos pela idade. Tudo o que Berenice queria era que a filha sobrevivesse. Horas de cirurgia depois, a filha voltava para a cama da UTI:

_ Dona Berenice, a cirurgia foi um sucesso! Agora precisamos esperar que ela acorde para sabermos de fato qual a extensão dos danos que esta hemorragia possa ter provocado. Sua filha está num estado de coma induzido que pode durar horas ou dias. Esperemos que ela acorde. Continue a rezar, minha senhora! _ disse-lhe o cirurgião neurologista.

Rezar foi só o que Berenice fez. Ela, o marido e os filhos não se conformavam que Verônica tivessse que passar por isso, justamente no momento em que estava tão feliz, ao lado do homem que amava, o Luís Antônio. Mas, a vida às vezes cobra preços altos para se obter a felicidade.

Dois dias depois, Verônica acordava do coma. Estava com os braços e pernas paralisados, assim como o lado esquerdo do rosto. Não conseguia falar, porém ao perceber que a mãe estava ao seu lado, segurando sua mão, seus olhos se encheram de lágrimas e Dona Berenice percebeu pelo olhar da filha que ela entendia tudo o que se passava. Respirava graças a uma traqueotomia, estava ainda mais magra e abatida e não conseguia se mexer, nem os braços, nem as pernas, nem a cabeça, nem o tronco.

Um mês depois, Verônica saía do hospital para casa, só demorou a receber alta, devido a uma pneumonia que pegou na UTI, durante sua recuperação. Recebendo alta, começaram os tratamentos intensivos de fisioterapia, que a ensinariam a sentar, andar e se mexer novamente. Sem mencionar os tratamentos intensivos de fonoaudiologia que a ensinariam a comer e a falar.

_Seu caso foi milagroso! _ disse-lhe o médico. Sabe quantas pessoas têm morte instantânea devido a este problema? Setenta por cento dos casos!

Verônica fez fisioterapia por meses até voltar a andar. Fez tratamento fonoaudiológico por meses até que voltasse a falar como antes. Cinco anos depois, ela leva uma vida normal. Sua cicatriz na testa, depois da cirurgia, é insignificante. Atualmente, ela fala, come, anda, trabalha como fazia antes do aneurisma. Seu único efeito colateral foi uma leve paralisia no braço esquerdo, principalmente nos dedos da mão esquerda, que não possuem a mesma sensibilidade e movimentação da mão direita. Por isso, ela fez uso da lei que obriga as empresas a empregarem deficientes físicos e passou num Concurso Público para trabalhar na Secretaria da Cultura. Quem convive com ela diariamente nem percebe tudo pelo que passou.

Verônica teve que se adaptar a algumas situações do dia-a-dia para se cuidar, ou mesmo para cuidar da casa. É difícil acreditar que alguém, com trinta e cinco anos, tenha um AVC e consiga se recuperar voltando a viver normalmente. Ela é uma prova de que o amor à vida pode nos ajudar a superar qualquer obstáculo.

Quanto à Berenice, como acontece com todas as pessoas depois de acompanhar uma filha numa situação tão difícil, envelheceu dez anos em poucos dias. Mas reza todas as noites em agradecimento a Deus por ter-lhe poupado a filha.

Afinal, Verônica provou que era mesmo a Alice no país das maravilhas, conseguindo tornar sua vida feliz apesar dos desafios.

sábado, 14 de agosto de 2010

VÔO


Subo nas asas do tempo
e vôo para onde eu quero.
Já não importa quando,
já não importa quem.
Vejo o passado e o futuro
se abrirem diante de mim.
Será fato? Será bruma?
Isto já não importa
porque tudo tem o mesmo valor:
a almejada promoção,
ou talvez a auto-punição.
Pequenas coisas me incomodam:
não entendo por que e
não percebo por quem.
Tudo continua passando.
Minha própria vida discorre
numa tela diante de mim.
Até minhas fábulas me espantam.
Deito no divã...
Falo durante uma hora.
Esvazio um pouco.
Saio mais leve.
Carregar este peso do mundo,
não sei de quê me serve.
Vôo, mas continuo no mesmo lugar.
Na verdade, não saio de mim.
Sou protagonista de minhas histórias:
cada fato, cada detalhe, cada ocorrido,
mora dentro de mim.

JOGO DE CARTAS


Lanço as cartas na roda da fortuna
Não dão só azar porque apesar de treze
O às é o um,
O onze é o valete,
O doze é a dama,
E o treze é o rei.
As figuras me encantam
Tomam vida e falam comigo:
_Nesta rodada, você tem sorte!
Blefa que agora você ganha!
Tenho três cartas e compro mais uma.
Quase!
Arrisco de novo
E perco tudo.
O naipe de ouros
Tira meus cobres,
Com o naipe de copas,
A dama me olha.
_É o fim do jogo!
Minha mulher faz escândalo à janela.
Desisto...
Envergonhado vou embora
E nunca mais jogo.
Oh, vício maldito!

BATOM


Estes lábios vermelhos
que se destacam,
aparecem na moldura do rosto.
São grossos, carnudos,
umedecidos...
Seus lábios,
seus peitos,
suas cadeiras,
suas coxas,
arredondadas,
ondulantes,
me chamam,
me atraem,
como ao boi, o berrante.
Estes lábios vermelhos,
em que o batom desliza...
Como eu queria deslizar
o meu bastão,
em sua vida...

LUTA


Quem luta as batalhas que a vida me impõe?
Sou eu.
Quem enverga a espada que a terra me dá?
Sou eu.
Quem lê os sinais que a natureza me oferece?
Sou eu.
Quem curte os prazeres que a vida fornece?
Sou eu.
Quem reflete minhas dores quando olho no espelho?
Sou eu.
Quem divulga minhas crenças de que milagres existem?
Sou eu.
De quem eu preciso?
De mim.
Vou então levantar a cabeça
E polir meu troféu,
Que sou eu.
Vou carregar a sapiência de que estou no céu,
Porque o mais importante: o meu eu, levo comigo.

sábado, 7 de agosto de 2010

A MULHER CERTA


A seus olhos me destaco,

Mas não sou o que percebe.
Um simples olhar velhaco,
Longe passa desta sebe.
Há pontaria no taco
E nada além se consegue.
Raso está deste buraco,

Certo é que se confesse.
Entenda que nenhum naco
Resta ao homem desta lebre.
Toma ao longe este macaco,
Apague breve sua febre.

Amor Verdadeiro



Aonde se encontra o amor verdadeiro?
Meus dias procuro e não acho o ponteiro.
Orando eu peço pelo seu manual.
Rejeitando eu sigo, o que seja boçal.

Vou dizer a verdade: eu sou cerebral.
Elegante engano de um pobre solteiro.
Relê minhas palavras e rejeita o chaveiro.
De nada me adianta o amor animal.

Ainda que eu veja que este seja o normal,
Dedico meus sonhos ao distante barqueiro.
Este ser não existe mas o amo inteiro.

Inconsciente desejo mas é meu ideal.
Recuso outros seres quanto mais for banal.
Olha onde se esconde meu amor verdadeiro.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Para sua gargalhada


Quando você fala,
Sinto o minuano se aproximando
E meus pêlos eriçando.

Quando você sorri,
Lanço os meus braços em seu pescoço
E me jogo no poço.

Quando você chama,
Suas pernas compassam meu estojo
E você me ama.

Seus olhos viram estrelas
Seu calor , meu cobertor
E suas orelhas
São meu sorvete
E porta de entrada
Para sua gargalhada.

Caminhos


Há caminhos em sua frente,
Mas não sabe pra onde vai.
Não sabe se segue a patente,
Ou se esconde em mangueirais.

É um elo da corrente,
É poeira que não sai,
É só uma dor de dente,
É chuva que não cai.

Queria ter mais que pai,
Queria ter algo quente,
Queria passar de ai,
Queria fugir, não vai.
Há caminhos em sua frente.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sonho silencioso


Silenciosamente
Sábio sabedor sabia sobre seu sonho sonhado
Sendo sonhador sentencia:
Sua saliva somente será suave se seguir
Seu sonho solitário.
Sonhe!
Soprou suave
Sonhe!
Salve sua sina! Seja sempre seu senhor
Sonhando sobre sua serra sofrida
Suave saída sonhada.
Sonhe! Salve sua sina!
Soletre sonoramente sons sutis, solertes
Sonhe!
Sabe seu silêncio seu sofrimento sentido.
Seja silvícula, saia sobre sua selva
Só seja são
Sonhe seu sonho suavemente sonhado.
Sibile suavidade saudável
Só sofre sua saúde se sai sem sonho.
Sem sonho, sei só sair sentindo sons solertes.
Sopre sua saliva saudável sentindo seus sonhos sonhados.
Sonhe sempre!

domingo, 1 de agosto de 2010

ODIN


De Asgard é o deus mais poderoso
Sabedoria o levou a sofrer
Quarta-feira é seu dia mais honroso
Da família dos Ases foi nascer.

Em Valhallah está seu esplendoroso
Palácio de onde pode tudo ver.
A seu lado um guerreiro famoso
Está preparado a combater

Aos seres maus e ao insidioso
E mais nada pode Odin deter.
Por nove dias passou doloroso,
Sofrendo para não desconhecer

O que fazia Mimir orgulhoso
A ciência de tudo perceber.
Seu sofrimento é prestigioso
Em como à árvore se fez prender.

Sua cabeça Odin foi verter,
O que não o deixou nada garboso.
Este sacrifício lhe foi ditoso;
Olhou as runas e conseguiu ler.
De Asgard é o deus mais poderoso.

YGGDRASIL


Eis a árvore da vida ascendente

Em seu caule três velhas vão morar

Suas raízes separam os ambientes:

A morada dos deuses é Asgard.


Outra raiz é do gelo o ambiente

Cuja água o saber vai alcançar.

Neste lugar os expulsos são entes

Sua fonte Mimir vai se chamar.


De mortos, trevas e frio expoente,

Outra raiz é dos mortos lugar.

A fonte que aí é existente

Cachoeiras e rios vai formar.


Nos galhos, vento é o que se sente.

No seu caule as Nornes vão morar.

As Nornes sabem todo seu presente

E seu futuro vão lhe revelar.


Com deuses hidromel vai encontrar

Poucos porém estão residentes.

No oco do caule moram três videntes

E apenas deuses vivem em Asgard.

Eis a árvore da vida ascendente.