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domingo, 19 de fevereiro de 2012

VIDA DE GATO







Dom Tomasino vivia de fraque. Preto, é claro, com camisa branca de colarinho com babados em degradê. Mascarado. Nasceu elegante. Era elegante. Seu andar sutil. Pata a pata. Pisava no chão, pisava no alto da estante, pisava no guarda-roupa como se escalasse nuvens. Vivia em seu reinado desde os sete meses. Quando as humanas que o adotaram gostaram dele. Em meio a gatinhos menores e mais fofos. Vacinado. Vermifugado. Castrado. O último detalhe não era muito agradável. Mas dava mais liberdade de movimentos nesta vida dominada pelos humanos. Era preto e branco.

Passava muitas horas sozinho, na maior parte do tempo. Sua pequena humana ia para a escola e quando voltava, pegava-o no colo. Abraçava-o e o beijava. Sentia-se amado. Mas solitário. Era o que as humanas pensavam...

Um dia, toca a campainha e o humano grandão, com quem ele não simpatizava muito, abriu a porta e entrou aquela moça estranha, trazendo numa caixa outro gato. Dom Tomasino subiu na estante, ficou olhando e fez careta para aquele ser  da mesma espécie, que não parecia nada feliz. Fez careta do alto. Quem era aquele ser que chegava no seu domínio, ficava acanhado no canto e mal parecia ter rabo?

O estranhamento durou uns dois dias. Até que descobriu que aquela pelagem rajada de marrom, preto e branco, aqueles olhos de gato selvagem eram de uma fêmea. Ficou na maior alegria. Cheirou. Esfregou. Passou seu rabão comprido naquela gata, querendo carinho, querendo atenção, querendo companhia, querendo sedução.

Ficaram enrolados como Yin e yang, o positivo e o negativo, macho e fêmea, por vários dias. Que delícia ter companhia! Ensinou a gata onde dormir no meio da noite, aos pés da cama da humana grande. Ensinou a gata a miar atrás de guloseimas. Teve sua caixa de areia mudada. Ganhou um bebedor de água corrente. Ganhou um pote grande de ração. Seu conforto melhorou. E ainda tinha a gata para se esfregar e com quem aninhar.

Mas o namoro durou alguns meses. O suficiente para ganhar muitas arranhadas da gata selvagem. O suficiente para ver a gata presa na caixa. O suficiente para que a gata o empurrasse quando queria mais guloseima. Que gata desesperada!

Dom Tomasino sabia que não precisava se preocupar, pois a humana grande sempre guardava sua parte nas guloseimas. Sempre guardava sua parte na atenção e nos carinhos. E aquela gata gulosa somente empurrava. Mas Dom Tomasino tinha uma vantagem em relação à gata. Além da predileção dos humanos por lhe dar carinho, ele ainda tinha um senhor rabo, que o equilibrava para subir onde quisesse: nas janelas, nas estantes, no alto da beliche, no alto dos guarda-roupas, enfim. O rabo dava-lhe equilíbrio, era como uma quinta perna. Sem contar com seu jeito leve de andar e pular. Quando se irritava com a gata, fugia subindo. Ela não conseguia. Seu rabo era cotoco.

Mas sabe que a levada agora vivia com o cotoco de pé? Parecia um fiel cão feliz. Levantava o rabo e o balançava. Era como demonstrava alegria. Era acariciada, mimada, bem cuidada, bem alimentada. E vivia esfregando o rabinho na cara de Dom Tomasino. Que gata folgada! Agora ele que não queria seus esfregas. Abusada! Confiada!

Dom Tomasino subia nas alturas porque sabia que Melodia, a gata, não o acompanhava. Era um canto onde podia ficar sozinho. Livre. Leve. Solto. Até que o humano grandão cismou de pegar a gata e colocá-la nas alturas. Que fêmea abusada! Que humano irritante! Dom Tomasino precisava de espaço e conseguia porque era lépido. Ia onde a gata não o acompanhava. Parece que Dona Melodia passou a infância encarcerada. Precisou de minha companhia para aprender a andar pela casa. Para aprender a pedir comida. Para aprender a pedir carinho. Para aprender a conviver com os humanos.

Mas agora esta gata folgada age como se fosse dona da casa. Poxa! As fêmeas são mesmo espaçosas, mandonas, autoritárias, interesseiras, materialistas. Igual à Dona Melodia, principalmente por ser uma felina. Estas são as piores! Por isso fujo. Subo às paredes. Fico às janelas. Para readquirir a liberdade que todo gato quer. E não posso sair à caça de outras fêmeas, já sei que vou viver com Dona Melodia pelo resto da vida. Os humanos são estranhos. Mas sabem acariciar e cuidar dos gatos. Então, tenho tudo o que preciso. E aceito viver ao lado desta gata

HISTÓRIAS

   Era uma vez. Mamãe sempre começa as histórias assim. Uma menina que se chamava Clarinha. Então vem a personagem principal. Esperta, alegre, criativa. Os heróis ou heroínas eram perfeitos em suas aventuras.
Clarinha vivia com seus pais na cidade. Tinha sete anos e era única filha. Até que sua mãe ficou grávida de novo.  Clarinha começou a sofrer. Achava que seria trocada no amor de seus pais por um bebê. Um ser que ela desconhecia. Que seria mais novo. Teria mais atenção. Então Clarinha teria que dividir seu quarto, seus brinquedos, o carinho de seus pais. Sofria, sofria.

Achou que de repente seria até mesmo mandada para fora de casa. Achou que iria a um orfanato. Justamente o lugar onde ficam as crianças, esperando ser adotadas por outros pais. Pensou que nem seria filha legítima. E que agora que o filho verdadeiro nascia, perderia de fato o reinado.

Quis ser um gato. Ou talvez até mesmo um peixe. E viver com a atenção e ração diárias, que os humanos lhes davam. Começou a perguntar aos amigos se os pais deles a adotariam. Então, pelo menos, ficava desde o início em casa de conhecidos. Os amigos olhavam penalizados, mas não diziam nada. Alguns mais espertos, que já tinham outros irmãos, informavam que era legal ter um irmãozinho. Era alguém para brincar, rir, brigar, contar histórias.

Então, eu resolvi lhe contar a história de Clarinha. Que quando o irmãozinho nasceu ficou tão feliz, que resolveu contar uma história para ele. Resolveu contar como chorou e sofreu na gravidez da mãe. Sofreu com seu nervosismo. Sofreu com seus enjôos e mal estar. Tentava agradar. Tentava ajudar. Mas nada parecia resolver. Começou a temer que acabaria perdendo a mãe para esta pequena estranha criatura que lhe tiraria a vida.

Quando chegou o dia e a mãe foi para o hospital... Ficou rezando em casa, para que o papai do céu cuidasse da mamãe e lhe ajudasse a sobreviver àquele processo que a consumia. Enquanto durava o parto, rezava, rezava. Horas se passaram e nada acontecia. Continuou nesse sofrimento. Dois dias depois, mamãe voltava para casa. Estava bem mais magra e mais feliz. Sua alegria chegava a brilhar. Olhou Clarinha e a abraçou. Veja filhinha, seu novo irmãozinho.

Clarinha, com medo, mas sem querer decepcionar a mamãe, olhou pra ele. Era tão pequeninho, tão minúsculo mesmo. Nem sabia como agir. Passou semanas só observando de perto. Até que notou o bebê sorrir. Ele sorria para ela. Achou mesmo que ele tinha piscado. Então resolveu lhe contar a história do medo que passou de perder a mamãe para uma estranha criatura que agora amava.  Terminou e sorriu. Sorriram os dois. Boa noite irmãozinho! Clarinha o beijou. Daí em diante, toda noite lhe contava histórias. As suas histórias.


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Jet Leg


Sem sistema
horas
não voam


Pessoas maravilhosas
amam seu trabalho


Trabalho
burila a forma
na expressão
do sentimento


Empresa aérea sem sistema
passo horas no aeroporto