Dom Tomasino vivia de fraque. Preto, é claro, com camisa
branca de colarinho com babados em degradê. Mascarado. Nasceu elegante. Era
elegante. Seu andar sutil. Pata a pata. Pisava no chão, pisava no alto da
estante, pisava no guarda-roupa como se escalasse nuvens. Vivia em seu reinado
desde os sete meses. Quando as humanas que o adotaram gostaram dele. Em meio a
gatinhos menores e mais fofos. Vacinado. Vermifugado. Castrado. O último
detalhe não era muito agradável. Mas dava mais liberdade de movimentos nesta
vida dominada pelos humanos. Era preto e branco.
Passava muitas horas sozinho, na maior parte do tempo. Sua
pequena humana ia para a escola e quando voltava, pegava-o no colo. Abraçava-o
e o beijava. Sentia-se amado. Mas solitário. Era o que as humanas pensavam...
Um dia, toca a campainha e o humano grandão, com quem ele
não simpatizava muito, abriu a porta e entrou aquela moça estranha, trazendo
numa caixa outro gato. Dom Tomasino subiu na estante, ficou olhando e fez
careta para aquele ser da mesma espécie,
que não parecia nada feliz. Fez careta do alto. Quem era aquele ser que chegava
no seu domínio, ficava acanhado no canto e mal parecia ter rabo?
O estranhamento durou uns dois dias. Até que descobriu que
aquela pelagem rajada de marrom, preto e branco, aqueles olhos de gato selvagem
eram de uma fêmea. Ficou na maior alegria. Cheirou. Esfregou. Passou seu rabão
comprido naquela gata, querendo carinho, querendo atenção, querendo companhia,
querendo sedução.
Ficaram enrolados como Yin e yang, o positivo e o negativo,
macho e fêmea, por vários dias. Que delícia ter companhia! Ensinou a gata onde
dormir no meio da noite, aos pés da cama da humana grande. Ensinou a gata a
miar atrás de guloseimas. Teve sua caixa de areia mudada. Ganhou um bebedor de
água corrente. Ganhou um pote grande de ração. Seu conforto melhorou. E ainda
tinha a gata para se esfregar e com quem aninhar.
Mas o namoro durou alguns meses. O suficiente para ganhar
muitas arranhadas da gata selvagem. O suficiente para ver a gata presa na
caixa. O suficiente para que a gata o empurrasse quando queria mais guloseima.
Que gata desesperada!
Dom Tomasino sabia que não precisava se preocupar, pois a
humana grande sempre guardava sua parte nas guloseimas. Sempre guardava sua
parte na atenção e nos carinhos. E aquela gata gulosa somente empurrava. Mas Dom
Tomasino tinha uma vantagem em relação à gata. Além da predileção dos humanos
por lhe dar carinho, ele ainda tinha um senhor rabo, que o equilibrava para
subir onde quisesse: nas janelas, nas estantes, no alto da beliche, no alto dos
guarda-roupas, enfim. O rabo dava-lhe equilíbrio, era como uma quinta perna.
Sem contar com seu jeito leve de andar e pular. Quando se irritava com a gata,
fugia subindo. Ela não conseguia. Seu rabo era cotoco.
Mas sabe que a levada agora vivia com o cotoco de pé?
Parecia um fiel cão feliz. Levantava o rabo e o balançava. Era como demonstrava
alegria. Era acariciada, mimada, bem cuidada, bem alimentada. E vivia
esfregando o rabinho na cara de Dom Tomasino. Que gata folgada! Agora ele que
não queria seus esfregas. Abusada! Confiada!
Dom Tomasino subia nas alturas porque sabia que Melodia, a
gata, não o acompanhava. Era um canto onde podia ficar sozinho. Livre. Leve.
Solto. Até que o humano grandão cismou de pegar a gata e colocá-la nas alturas.
Que fêmea abusada! Que humano irritante! Dom Tomasino precisava de espaço e
conseguia porque era lépido. Ia onde a gata não o acompanhava. Parece que Dona
Melodia passou a infância encarcerada. Precisou de minha companhia para
aprender a andar pela casa. Para aprender a pedir comida. Para aprender a pedir
carinho. Para aprender a conviver com os humanos.