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domingo, 22 de agosto de 2010

A marca de batom



Naquela manhã, Berenice estava na aula de História da Educação. Com quinze anos, ela era aluna do primeiro ano de magistério. Estudava para ser professora. Era muito boa aluna, de memória fotográfica, quando fazia provas era capaz de se lembrar do número da página onde estava o que tinha lido. Terminando sua prova naquele dia, o professor João Antônio de Almeida Queirós, advogado, membro de uma das famílias mais respeitáveis da cidade de Avaré, chamou-a:

_Dona Berenice, quando a senhora terminar suas aulas no dia de hoje, passe em minha sala porque precisamos conversar.

_Sim senhor, professor João!

Berenice nem desconfiava de que fosse se tratar. Imaginava que pudesse ser a respeito de sua declarada posição a favor da amiga Maria Irina, que aparecera grávida. Porém, conforme os ditames dos bons costumes, mesmo se tratando de uma escola pública, Maria Irina poderia ser convidada a se retirar da escola, uma vez que era solteira e estava grávida. Afinal, as famílias das moças da cidade poderiam se recusar a que as filhas virgens_ conforme as prescrições da época_ fossem influenciadas pelo mau comportamento da colega, ficando mal faladas numa cidade tão pequena. Berenice achava que jamais poderia julgar qualquer pessoa principalmente no que dizia respeito a seu comportamento sexual.

Nesta época, finais da década de cinqüenta, a revolução sexual estava começando a surgir no mundo: em poucos anos a pílula anticoncepcional seria descoberta, os sutiãs seriam queimados em praça pública e a mulher seria aceita no mercado de trabalho. Até então, quando a moça estudava era para conseguir um bom casamento com um homem de cultura e posição social privilegiada, mas apenas isso.

Imagine só o escândalo se uma moça de dezessete anos aparecesse grávida? As famílias sempre viam com preconceito, nem admitiam que suas filhas tivessem qualquer tipo de relacionamento com moças nesta situação, como se gravidez ou desejo sexual fosse algo contagioso.

Berenice, para uma moça do interior nesta época, era muito liberal. Sabia que sexo não era algo contagioso, muito menos a gravidez. Seu pai, seu Ângelo, era um homem generoso e justo, não via com preocupação se as filhas fossem amigas de uma mãe solteira. Mas, é claro, que também não era a favor de que elas se tornassem uma. Ele sempre confiava que as filhas saberiam decidir e caso escolhessem errado, assumiriam suas responsabilidades. Este, pelo menos, foi o exemplo dado.

Assim, quando Maria Irina pediu ajuda ao professor João para que expusesse sua situação e perguntasse para as colegas se viam algum problema em que continuasse a freqüentar as aulas até que terminasse o magistério, o professor chegou para a classe de moças _ pois as escolas não eram mistas na época_ e lhes disse:

_Senhoritas, sua colega, a senhorita Maria Irina tem algo a lhes comunicar! Por favor, prossiga!

_Professor e colegas, antes que todos saibam, embora algumas aqui já estejam sabendo, eu e meu noivo Pedro Ernestino vamos ter um bebê. Estou lhes comunicando com o intuito de perguntar se alguma de vocês se opõe a que eu continue freqüentando as aulas normalmente até o final do curso, que ocorrerá em seis meses. Estou grávida de dois meses e tenho a pretensão de continuar assistindo às aulas para terminar o Magistério antes de me casar. Sim, porque Pedro e eu vamos nos casar e vamos cuidar da criança. Eu pedi ao professor João que me desse a autorização de me explicar e pedir o consentimento de vocês para que continuemos a freqüentar as aulas na mesma escola. Não pretendo, de forma alguma desrespeitá-las. Posso, inclusive passar a me sentar no fundo da sala, isolada das outras moças do grupo a fim de não comprometer ninguém. Doravante, também passarei a fazer qualquer trabalho ou estudo sozinha, a fim de não macular sua honra.

_ O que é isso, Maria Irina? Para mim você continuará a mesma colega de sempre e não vejo mal algum em que freqüente as aulas conosco, muito menos vejo a necessidade de que você fique isolada. Cada um deve apenas a sua consciência. Disse Berenice.

_Dona Berenice, suas colegas também precisam concordar com que Dona Maria Irina continue a freqüentar as aulas. Moças, as senhoritas concordam? Insistiu o professor João.

Eis que uma delas levanta a mão. Tratava-se de Maria Rita, irmã de Mário, namorado de Berenice:

_Professor João, eu concordo com que Maria Irina continue vindo às aulas, porém acho melhor que ela fique isolada mesmo. Já pensou o que vão falar de nós se nos virem ao lado dela? Se meus pais souberem que estou na mesma classe que uma moça que ficou grávida sem casar, eles vão comparecer à escola para saber quais medidas estão sendo tomadas.

_Muito bem, senhorita Maria Rita. A Dona Maria Irina terá um lugar separado no fundo da sala para que nenhuma das senhoritas se sinta desrespeitada a seu lado.

_Obrigada, professor João! Disse Maria Rita.

_Gravidez não é algo contagioso, Maria Rita! Gritou inconformada Berenice.

_Dona Berenice, já está decidido, portanto o assunto se encerra aqui!

_Tudo bem, professor!

Berenice abaixou a cabeça e nada mais disse a respeito. No entanto, sentira-se indignada com aquela atitude discriminatória. Imaginava que o professor João Antônio quisesse conversar a respeito deste incidente que ocorrera no dia anterior. Pelo menos, foi nisso que pensou quando o professor pedira para se dirigir a sua sala no final das aulas. Entretanto, quando entrou na sala, teve muitas surpresas.

_ Dona Berenice, sua irmã, a Dona Mônica, namora meu filho Joãozinho. Ora ambos sabemos que seu pai é um mecânico que nem ganha o suficiente para comprar roupas boas para os filhos. No entanto, minha esposa achou este lenço do meu filho sujo de batom. Estamos muito preocupados porque não somos a favor do casamento de nosso filho com sua irmã. Então, vá para casa e diga para seus pais segurarem a filha, porque se ela aparecer grávida, o meu filho não vai se casar com ela.

_Sim, senhor!

Berenice ouviu a advertência do professor João, porém aquilo nada lhe disse uma vez que ela e a irmã mal se falavam. Além disso, Mônica era três anos mais velha. Então, fossem quais fossem as intenções de sua irmã com o filho do professor, não considerava sua incumbência adverti-la. E também não contaria esta conversa para seus pais. Deixaria o Joãozinho e a Mônica resolverem o assunto por eles mesmos.

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