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sexta-feira, 15 de junho de 2012

opressão


Opressão


Não há espaço para esticar os braços. Não posso nem mesmo mexer as mãos sob o risco de alguém pensar tratar-se de um assalto ou de uma bolinação. Pior é que nem consigo respirar. Torço para que ninguém tenha incontinência gasosa, caso contrário, não apenas não respiro como morro intoxicado. O ambiente não é tão restrito, porém parece fechado nestas horas. Não importa mais o horário. Sete da manhã. Nove da manhã. Meio-dia. Três da tarde. Cinco da tarde. Já existem diversos turnos alternados de trabalho. Acho que optaram por isso a fim de melhorarem a condição insustentável de vida quando se sai às ruas.

Trabalham-se vinte e quatro horas por dia. Todos os dias. Não existe mais feriado. Domingo. Férias escolares. As empresas de turismo sempre têm imensos grupos viajando. Não importa se inverno ou verão. E tudo está sempre lotado. Rodízio? Mesmo o rodízio de naves não funciona  mais. E considere-se que as naves são pilotadas por aqueles que têm mais dinheiro, ou valor econômico. A maioria das pessoas sai às ruas. Não enxergam o céu, porque ele está retalhado de naves. As árvores existem ao redor. Pequenas. Não frutíferas. Nem frondosas. Quase não se percebe a hora. Dia ou noite. A luminosidade natural é difícil. Por isso, em determinados instantes, as naves não podem sobrevoar determinadas regiões. É uma maneira de  garantir que alguns raios solares vão chegar ao solo, ou às árvores.

A fumaça exalada pelo combustível das naves é densa. Continuam existindo os antigos automóveis. Quem os dirige também tem dinheiro. Mas nem tanto quanto os que viajam nas naves. O transporte público é lotado. Mas passa constantemente. As vias estão sempre movimentadas. Não importa a hora. Dia ou noite. Tráfego intenso é uma constante. Por isso, milhares trabalham em casa. Conectados através de seus computadores, pela rede de wireless urbana. Há pessoas que passam dias sem contatar fisicamente nenhum outro semelhante. Alguns passam quase a vida toda sem contato físico. Apenas se veem pela grande tela do lar. Estes encontram mais conforto do que os que são obrigados a saírem de casa. Vão à escola sem saírem de casa. Brincam sem saírem do quarto. 

Frequentam a academia utilizando equipamentos caseiros e telas de computador. Alguns até fazem amizade na academia de ginástica, encontrando-se em telas. É um meio mais seguro, porque ficam protegidos dos vírus e bactérias que se proliferam de maneira incontrolável pelos lugares públicos. Em compensação, alguns nem podem sair de casa, por falta de anticorpos. Morreriam ao primeiro contato externo.

Por isso optei por frequentar os lugares públicos. Acho que vou melhorando minha espécie à medida que entro em contato com outras pessoas e desenvolvo anticorpos para as novas doenças proliferadas. Vou ao laboratório todo mês. Doo meu sangue para o preparo de novos remédios e novas vacinas. E também vejo a realidade. Nem todos têm acesso a estas informações. Não são agradáveis e nem todos têm condições de assimilá-las. Apesar de centenas de anos. Ainda acredito na evolução das espécies propagada por Darwin. E ele continua certo.

FETICHE


Fetiche



Dizem que é fetiche quando algo pequeno, algum detalhe no outro, nos provoca tanta comoção. Mas, para ser um fetiche, é necessário que a pessoa que se emociona sempre fique tocada pelo mesmo tipo de detalhe. Lembro-me de uma obra de Rubem Fonseca, em que ele dizia o que sentia pelos sapatos vermelhos da mulher que amava. Relatava um encontro com a amada, em que ela estava na porta do cinema usando um par de sapatos vermelhos. E este detalhe no primeiro encontro o marcara tanto que nunca mais ele esquecera os tais sapatos vermelhos.

Sinceramente, não tenho nenhuma ligação com sapatos ou com os pés. Minha única necessidade neste sentido é calçar sapatos confortáveis, anatômicos e resistentes, do tipo que eu possa usar para pisar em rochas, pisar em lama, pisar em poças de água, e continuar com os pés seguros e protegidos. Se possível sou capaz de usar o mesmo par de sapatos por meses. Só os tiro quando chego em casa e ponho meu par de chinelos. Ou quando vou tomar banho, ou quando sento na cama, ou mesmo quando deito. Caso contrário, não olho para os pés. Na verdade, só olho para cima. Viver nas nuvens é pouco. Vivo além do possível e imaginável.

Porém pequenos detalhes são capazes de chamar minha atenção. Não sei porque ou como. Mas o cheiro de seus cabelos fartos e ondulados no travesseiro até me arrepia. Olhar você andando me estremece. Tocar sua pele quente, põe fogo em mim. Mais do que isso. Imagino um mundo de promessas, desejos, afetos, carinhos. Vejo um mundo quente e encantador. Mergulho numa atmosfera perfumada, cheia de tentáculos gasosos a me enrolar numa bruma úmida, arejada e viciante.

Não creio que seja fetiche. É algo químico que faz meus elementos entrarem em ebulição. Tem aroma de café e gosto de laranja. É puro sabor. Meu hálito muda. Meus pelos eriçam. Meu corpo se arrepia. Se é desejo? Sem dúvida. Um desejo cego, com vontade própria. De velas armadas para enfrentar novos ventos, novos mares, tempestades. Pode balançar o bote. Pode esticar as cordas. Pode exigir força. Não importa. Estou de prontidão.

Não apenas mergulho numa maré parcialmente desconhecida como procuro o desconhecimento com sofreguidão. Enlouqueço. Ajoelho. Entrego tudo e todo. E tenho tanta necessidade destas sensações. Que desconheço se vivo distante do que as provoca. Perco a noção do tempo. O espaço não existe além das fronteiras de seu corpo. A atmosfera só existe enquanto nos envolve. Lado a lado. Colados.

Deixou de ser um detalhe. É tudo. Não é fetiche.

terça-feira, 12 de junho de 2012

FUMAÇA


Fumaça nas ruas. Não são minhas, mas estou impregnada em seu desgosto. Talvez o desgosto seja meu, afinal. A fumaça, portanto, não passa de uma máscara com defeito. Subo. Ladeira árdua. Já não sei aonde vou. Sequer me lembro de porquê estou aqui. Sigo. Um caminho longo. Difícil. Anseio pelo prazer que sempre existe em todos os contornos. Mas sigo e não vejo motivo.

Este mundo inusitado. Hoje estamos por baixo. Ontem estivemos acima. A roda da fortuna gira constantemente. Por isso, já não vejo motivo de sofrimento. Todos podem achar que seja autoflagelo. Talvez sim. Talvez seja apenas uma forma de renovar os compromissos iniciais. Tudo tem fim. Esta subida vai acabar. Aparentemente estou seguido para cima. Sempre em frente. Sempre em movimento. Mas quem pode ter certeza de que está realmente subindo?

Sempre avistamos apenas até onde nossos sentidos nos permitem avistar. Quando apareço. Onde apareço. Sei que faço a diferença. Não importa onde. Não importa quando. Mas sinto meus rastros muito profundos. Poderosos. Obscuros. Porque dificilmente são percebidos.

Ocultar-me na fumaça, ou no capote dos outros, é um jogo divertido de esconde-esconde. Eu sei onde estou. Vejo as marcas que deixo no caminho. Por mais que se tente, não podem ser apagadas. Faço a diferença. Talvez não do jeito tradicional ou social do que significaria fazer a diferença. Mas sinto que os ambientes, por que passo,  sempre modificam quando eu chego. Talvez eu nem pretendesse fazer tanta diferença. Mas o desprendimento da minha aura. O consolo dos meus versos. O odor de minhas ações. Aderem nas almas. Principalmente, porque tudo sai sem controle. Sem imposição. Sem necessidade. Sem cobrança. No fundo, é o que todos precisam.

Continuo na fumaça. Ela arde. Cítrica. Chega a dar sede ou desejo por degustar. Vitamina concentrada. O ruim também é agradável. Não sei como tudo se processa. Por que química passam os gestos. Por que encontros se agregam as palavras. Apesar de comum. Sei que não sou comum. Fujo da dívida. Da dor. Do sofrimento. Da responsabilidade. Também me afasto da glória trivial. Sabe que nem todos enxergam esta trivialidade? Carregam as carteiras como se delas dependessem no mundo. Sim. Não é verdade. Os gestos são mais pesados. Agregam  felpa ao cobertor da sabedoria. Crescem. Aumentam. Aquecem. E não precisamos nos preocupar em carregá-los. Fazem tal parte da nossa natureza, que sobrevivem a todos os acidentes: geográficos ou não.

A fumaça que incomoda. Que perturba quem procura os espaços livres. É tão gasosa quanto o ar. Oxigênio denso. Condensado. Expiramos e se transforma em bolhas. Bolhas de ar cheias de emoção. Aquela que não quisemos desabafar. Que não quisemos divulgar. Que não quisemos sentir. Agora brilha transparente e firme como cristal polido. A vida passa por ele. Com todos os momentos. Todos os sentimentos. Propaga a luz que não sabíamos sentir.

É o fim? Não, é apenas o início de alguma COISA...

Essência


Você tem a maior prova de amor
Quando recebe
Aquilo de que precisa
Nem que seja
Um frasco de insulina

Romantismo?
Gesto de carinho?
Só importam
Quando você realmente
Precisa

Felinos
Quando se querem
Se mordem
Se agarram
Se ferem
É do que precisam

Palavras de amizade?
Gestos de conforto?
Para o faminto
o gesto de amor
está na comida

Mas como saber
do que o outro
precisa?

Basta amar com desprendimento
Com gentileza
Com generosidade
E  vai descobrir
Onde está no outro
a essência