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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O mecânico jogador


Maria Astrogilda tinha vinte anos e seis filhos. Tinha uma vida difícil, pois como toda mulher na sua época, por volta da década de quarenta, seu trabalho era cuidar da casa, da roça e dos filhos. É só imaginar que o fogão era à lenha, o ferro era a vapor, a casa era de barro, com chão de terra, que para varrer precisava ser molhado. Por isso, em geral, todos viviam descalços, só aprendiam a usar sapatos quando, aos sete anos, começavam a ir à escola. A roça era o quintal de casa, onde plantavam arroz, feijão, milho e criavam galinhas e cabras.

O marido era mecânico de automóvel. Tivera um bom emprego na Ford do Brasil, vendendo tratores, porém quando casaram, ele deixara o emprego para arrendar um pedaço de terra na fazenda do sogro para consertar tratores e automóveis das redondezas. Nunca soubera trabalhar na terra, só entendia de máquinas; então era muito comum ficar se mudando, de região para região, onde tivesse veículos e precisassem de mecânicos. Não era um serviço muito rentável. Além disso, os calotes eram comuns.

_ Seu Ângelo, no fim do mês eu lhe pago!

Porém, o mês acabava e o dinheiro não dava. Para quem passara a infância e a juventude tendo do bom e do melhor, era frustrante ter seis filhos e vê-los com dificuldades e privações.

Um dia, Ângelo descobriu que um dos vizinhos tinha um cassino em casa, onde as apostas rolavam soltas. Ele aprendera a jogar pôquer quando fora convocado pelo exército e lutara na Revolução Constitucionalista. Na época, deixara Maria e as crianças com os sogros em Piraju. Servira por quatro anos, período em que recebera o soldo do exército e aprendera a apostar. Ganhara várias vezes e mandara um bom dinheiro para seus pais, que tomavam conta de Maria e das crianças. Porém, também perdera algumas vezes e ficara sem ter o que mandar.

Mês sim, mês não, o jogo acabou sendo um vício que o levava todo mês para a jogatina. Algumas vezes, Maria reclamara e dissera:

_Ângelo, é melhor pingar do que faltar. Pare de arriscar na mesa de jogo!

Mas o vício é terrível e o jogador sempre tem a possibilidade de ganhar. Porém esta vaga possibilidade o faz continuar à mesa de jogo até que não tenha mais nada o que perder. Aí, come-se com fiado, porém fica-se devendo cada vez mais.

Um dia, Maria perdeu a paciência, pegou os dois filhos menores: Berenice, com cerca de três anos, e José Carlos, com cerca de oito meses, e se dirigiu para o cassino do vizinho. Então, começou a gritar, fazendo tanto escândalo que os homens que jogavam saíram à janela para assistir à mulher louca, que carregava um filho no colo e segurava outro pela mão, chamando o marido aos berros.

Ângelo terminou seu jogo, pegou seu casaco e seu chapéu e saiu muito cabisbaixo da casa do vizinho para nunca mais voltar. Não se sabe se foi por não gostar de escândalo ou por ter se conscientizado da situação, a verdade é que Ângelo nunca mais jogou. Teve que aprender a viver com os limites que a vida lhe impunha.

É bem verdade que até o final da vida continuou jogando na loteria esportiva e acompanhando os jogos de futebol com seu radinho de pilha na orelha. Bem, pelo menos, é assim que lembro do meu avô.

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