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segunda-feira, 27 de junho de 2011

Mamãe



Minha mãe é maluca, mas é legal. Toda manhã ela acorda com um tremendo bom humor. Vai me chamar fazendo festa. Me beija diversas vezes e leva meu café na cama. Eu sempre levanto com mau humor. Não aguento aquela festa diária, matinal. Vem escovar meus cabelos e quer fazer penteado. Eu lá quero penteado logo cedo? Quero mais é dormir. Ficar na cama. Ela me leva para a escola, sempre disposta, contando piadinhas e fazendo festa até mesmo com os grafites dos muros que encontramos no caminho. Vai me buscar ainda com muito bom humor. Eu saio da escola aborrecida. Foi a aula de Educação Física que me frustrou porque eu não consegui fazer gol. Foi minha amiga que discutiu comigo. Não sei. Mas lá estou eu com a cara fechada novamente. Chego em casa e vou alisar o pelo do gato. Minha mãe conversa com o bicho, esfrega seu rabo e o chama de meu rabinho peludo. É muito engraçado o jeito dela falar com o gato. Trata o bicho como se fosse o caçula, mas eu sou filha única. Fico com ciúmes. Digo que ele é um gato e ela me lembra que somos mais fortes e poderosos, então temos responsabilidade sobre o gato. Precisamos limpá-lo e ensiná-lo a fazer o certo. Mas eu nunca limpo. Minha mãe perde a paciência: limpa, dá comida, alisa. Parece que foi ela que pediu um bichinho de estimação. Mas fui eu. Meu pai às vezes, me pega de jeito e diz que preciso limpar a sujeira do gato e dar comida para ele. Eu nem ligo. Minha mãe aparece. Dá água e comida. Limpa a areia e fala sozinha que afinal foi ela que pediu o gato, não é? Mas nós sabemos que não foi. Minha mãe faz piadinhas quando eu estou nervosa. Isso tira minha paciência. Caramba! Quero continuar brava! Mas acabo rindo em silêncio. Quando estou emburrada, minha mãe vem me perguntar o que pode fazer para me ver sorrindo. Eu continuo brava. Então ela me beija e me abraça e eu não resisto. Abraço de volta e esboço um sorriso. Minha mãe fala com o passarinho. Imagine só! Eu só dou risada. Em silêncio. Para ela não perceber. Mas quando sai para trabalhar, chega em casa e vê tudo bagunçado. Dá um grito. Diz que só faz limpar, que ninguém se esforça um pouquinho. Chama a atenção do meu pai que larga o paletó na cadeira. E vários pares de sapato na sala. Pendura a roupa suja no banheiro e não põe para lavar. Larga o celular e a carteira espalhados e depois não consegue achar. Minha mãe dá um escândalo! Esta é a única hora em que vejo meu pai com medo dela. Ele sai correndo e trata de arrumar o que deixou fora do lugar. Mas nunca arruma tudo, porque ela é mais rápida para ajeitar. Acho que, na verdade, precisamos dela. Já notei que ela acumula funções; trabalha fora e dentro de casa. Na verdade, não tira férias. Por que dizem que a mulher é o sexo frágil? Basta ver o dia-a-dia da minha mãe. Sua alegria e disposição são coisa de doido! Eu não ia aguentar. Só sendo mesmo maluca!

Desencontro


Arrumei um namorado pela internet. Começamos a teclar. Ele disse que morava no Itaim. Legal! Era perto de onde eu trabalhava. Continuamos teclando por duas vezes, até que marcamos um encontro. Na porta do cinema. Dizem que o jeito mais seguro de conhecer alguém presencialmente é num lugar público. Foi o que eu fiz. Pessoalmente ele não era tão bonito quanto pela foto que vi na internet. Parecia triste, calado, derrubado mesmo. Contou logo de cara que já tinha sido casado. Duas vezes para ser exato. Contou que viveu em Los Angeles por seis anos. Trabalhava como motorista de táxi. Casou-se com uma brasileira por lá. Mas ele não tinha green card, era imigrante ilegal. Então, perdeu a mulher para um porto riquenho, que é cidadão americano. Ficou infeliz e frustrado. Resolveu voltar para o Brasil. Sua mãe ganhava dinheiro como dona de restaurante. Era viúva de um juiz federal. A irmã era professora universitária e o irmão era empresário. Começamos a sair com frequência. Conheci seus filhos e levei-os para passear. Eram crianças educadas. Gostei deles. Cheguei a comprar-lhes uma lembrança de Dia das Crianças. Mas de triste e angustiado, ele mudou para animado e angustiado. Achei que podia estar com novos problemas. Pensei que as ex-esposas eram as grandes culpadas pela sua infelicidade no casamento. Mas fui descobrindo que a coisa não era bem assim. Um dia, ele me disse que precisava viajar. Precisava ficar sozinho e tirar um tempo para pensar. Tudo bem, eu pensei. Uma semana depois, liguei para sua casa e ele atendeu. Eu nem esperava que ele estivesse por lá, mas já que estava, levei um bolo de chocolate para comemorar seu aniversário. Fui até seu condomínio e pedi para avisarem que eu estava lá embaixo. Recebi o recado que era para eu não subir. Deixei o bolo na portaria e voltei para casa. No caminho, ele telefonou para meu celular. Queria pedir desculpas pelo seu comportamento. Mas afinal, adiantava lamentar? Não. Fui bem objetiva e descartei-o. Ele me disse que eu era legal. Mas isso realmente não me interessava. Eu só não queria perder meu tempo com quem não valia a pena. Doeu? Sim, decepção sempre dói. Mas passa tão rápido quanto abrimos os olhos e buscamos novas alternativas. Dizem que se esquece de um amor nos braços de outro. Acho que é verdade!

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O otimista


Saiu ao quintal, viu um monte de merda e achou que tivesse ganhado um cavalinho. Esperou, mas o cavalinho não chegava e a merda fedia. Então, resolveu enterrá-la no jardim. Aproveitou e espalhou sementes. Do cavalo nem sombra, mas seis meses depois o quintal estava florido e perfumado. Nem se preocupou em descobrir como a merda tinha parado ali. O que importava agora eram as flores que podia colher e vender no mercado. Conseguiu um bom dinheiro. O cavalinho? Nunca apareceu. Mas a ilusão de que algo bom aconteceria se concretizou. Não porque de fato fosse um cavalo no quintal. Nem porque a merda fosse algo bom, mas porque soube transformá-la em algo útil e tirar da vida seu melhor.

sábado, 18 de junho de 2011

Cerimônia



Meu pai foi minha mãe. Eu caminhava a seu lado em direção a uma nova vida que eu abraçava. Meu pai nos levava à escola e ia buscar. Todos os dias. Era professor, então sempre tinha um horário para estar presente. Foi a todas as reuniões de escola. Lia para a gente todas as noites. Acompanhava as dúvidas das lições. Minha mãe trabalhava em horário comercial. E quando chegava em casa, meu pai saía. Ela já estava cansada e ele ia começar a trabalhar. Sentíamos saudades e queríamos sua participação, mas ela não tinha paciência com nada. Se tínhamos alguma dúvida, ela nos dizia para perguntarmos ao nosso pai. Só era legal quando íamos às compras nos finais de semana, ou quando íamos ao salão de beleza, cortar os cabelos, fazer as unhas. Nestes momentos de vaidade, minha mãe era divertida. Mas no dia-a-dia, perdia a paciência muito fácil. Era comum ligarmos para o celular do meu pai, em meio a uma aula, para reclamarmos que não conseguíamos conversar com ela. Que mulher bonita! Mas que mulher inconstante! Até que um dia ouvimos ela reclamar. Não agüento mais esta vida de casada. Quero fazer outras coisas, quero viver novas experiências. Não quero mais viver com você! Meu pai sempre foi caladão, mas lembro de vê-lo abatido. Fui correndo ao seu lado, na primeira oportunidade para lhe dizer que tudo bem. Que nós o amávamos. Eu tinha treze anos e minha irmã onze. O juiz nos chamou para conversar. Nós não tínhamos combinado, mas respondemos que preferíamos ficar com meu pai. Ele ficou surpreso e feliz. Minha mãe ficou arrasada. Histérica, ela nos perguntou por que tínhamos decidido ficar com meu pai. E respondemos que ele nos passava mais segurança do que ela. Bem, a verdade é que eles se separaram e meu pai continuou nos acompanhando em todos os momentos. Continuávamos brigando com nossa mãe, continuávamos ligando para ele no meio das aulas. Agora, aqui estava ele, ao meu lado. Levando-me aos braços daquele que eu amava. Preparando-me para mudar para a Alemanha, onde meu futuro marido viveria por dois anos com uma bolsa de estudos do CNPq. Eu só podia me casar com um professor. Meu pai era professor universitário. Sempre cuidou de nós. Sempre esteve presente. Agora na igreja eu só rezava para ser feliz. E conseguir ser uma mãe tão boa quanto meu pai.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

TELHADO


Acordou sem os próprios cabelos. Mas só notou depois de lavar o rosto e olhar para o espelho. Sentia uma dor de cabeça! Nem conseguia se lembrar do que tinha feito no dia anterior. Era sexta-feira, então deve ter ido trabalhar até às cinco da tarde. Imagina que pegou o ônibus para casa. Olhou pela janela. Viu um carro estacionado na porta. Êpa! Então tinha um automóvel? Provavelmente voltou para casa de carro. Mas espera... costumava sair com os amigos às noites de sexta-feira. Ia dançar com a galera. Ia beber... adorava umas cervejas! Costumava tomar uma garrafa só para início de conversa. Mas como não ficava apenas na primeira garrafa, tomou algumas. Mais de duas, porque não conseguia se lembrar de nada. Para perder a memória assim, só mesmo tomando umas quatro garrafas de cerveja. Mas, não tomou apenas cerveja. Fez um brinde no grupo de amigos, tomando margueritas. Mais de duas, com certeza, brindou ao Diego pela passagem no vestibular e ao Antônio pelo seu aniversário. Espera aí, mas e o noivado da Aninha? O que mais comemorou naquela noite? Lembrou-se então da deusa com quem dançou. Ficou apaixonado. Como ela se chamava mesmo? Ai, que dor de cabeça! Agora notava que não estava no seu quarto. Onde estava? Como tinha parado ali? O quarto era tão estreito! Viu uma cama alta de ferro. Todo branco! E que pijama estranho aquele, com uma imensa abertura atrás. Que dor de cabeça! Finalmente passava a mão pela nuca. Sentia uma cicatriz de corte. Quando se machucou? Veio a embrança de tomar um drink de sabor diferente. Depois, estava no alto do telhado. Queria demonstrar seu amor àquela mulher maravilhosa com quem dançou! Subiu ao telhado de sua casa e gritou muito alto que a amava e que estava entregue àquela paixão que lhe dava asas. Olhava novamente para a rua. Seu carro era uma perua branca, onde se lia o nome do Hospital São Luiz. Resolveu apertar o sino pendurado ao lado da cama. Uma enfermeira se aproximou. Agora veio a certeza de que não sabia mais quem era.

domingo, 12 de junho de 2011

Amante



Quis se vingar do marido, arrumou uma amante para ele. Pensou em como fazer e a internet trouxe a solução. Entrou no site de namoros e fez seu registro. “Homem infeliz no casamento busca mulher para satisfazer desejos. Alta, morena, seios fartos, blusa decotada. Pernas grossas, minissaia, sapatos de salto fino, meia arrastão, estampas de oncinha. Lábios carnudos, batom vermelho. Cabelos cheios e compridos. Perfume forte e estonteante. Disposta a satisfazer desejos 24h/d. Favor mandar foto.” Conseguiu resposta. Isso foi mais fácil do que imaginava. Selecionou uma. Marcou encontro e a apresentou ao marido. Um detetive passou a segui-los e tirar fotos. Dos sorrisos. Dos beijos. Das passadas de mão. Da esfregação de pés. Da entrada e saída do motel. Foi o suficiente. Pediu divórcio. Tomou casa, dinheiro, filhos e a amante do marido.