Fumaça nas ruas. Não são minhas, mas estou impregnada em seu
desgosto. Talvez o desgosto seja meu, afinal. A fumaça, portanto, não passa de
uma máscara com defeito. Subo. Ladeira árdua. Já não sei aonde vou. Sequer me lembro
de porquê estou aqui. Sigo. Um caminho longo. Difícil. Anseio pelo prazer que
sempre existe em todos os contornos. Mas sigo e não vejo motivo.
Este mundo inusitado. Hoje estamos por baixo. Ontem
estivemos acima. A roda da fortuna gira constantemente. Por isso, já não vejo
motivo de sofrimento. Todos podem achar que seja autoflagelo. Talvez sim.
Talvez seja apenas uma forma de renovar os compromissos iniciais. Tudo tem fim.
Esta subida vai acabar. Aparentemente estou seguido para cima. Sempre em
frente. Sempre em movimento. Mas quem pode ter certeza de que está realmente
subindo?
Sempre avistamos apenas até onde nossos sentidos nos
permitem avistar. Quando apareço. Onde apareço. Sei que faço a diferença. Não
importa onde. Não importa quando. Mas sinto meus rastros muito profundos.
Poderosos. Obscuros. Porque dificilmente são percebidos.
Ocultar-me na fumaça, ou no capote dos outros, é um jogo
divertido de esconde-esconde. Eu sei onde estou. Vejo as marcas que deixo no
caminho. Por mais que se tente, não podem ser apagadas. Faço a diferença.
Talvez não do jeito tradicional ou social do que significaria fazer a
diferença. Mas sinto que os ambientes, por que passo, sempre modificam quando eu chego. Talvez eu
nem pretendesse fazer tanta diferença. Mas o desprendimento da minha aura. O
consolo dos meus versos. O odor de minhas ações. Aderem nas almas.
Principalmente, porque tudo sai sem controle. Sem imposição. Sem necessidade.
Sem cobrança. No fundo, é o que todos precisam.
Continuo na fumaça. Ela arde. Cítrica. Chega a dar sede ou
desejo por degustar. Vitamina concentrada. O ruim também é agradável. Não sei
como tudo se processa. Por que química passam os gestos. Por que encontros se
agregam as palavras. Apesar de comum. Sei que não sou comum. Fujo da dívida. Da
dor. Do sofrimento. Da responsabilidade. Também me afasto da glória trivial.
Sabe que nem todos enxergam esta trivialidade? Carregam as carteiras como se
delas dependessem no mundo. Sim. Não é verdade. Os gestos são mais pesados.
Agregam felpa ao cobertor da sabedoria.
Crescem. Aumentam. Aquecem. E não precisamos nos preocupar em carregá-los. Fazem
tal parte da nossa natureza, que sobrevivem a todos os acidentes: geográficos
ou não.
A fumaça que incomoda. Que perturba quem procura os espaços
livres. É tão gasosa quanto o ar. Oxigênio denso. Condensado. Expiramos e se
transforma em bolhas. Bolhas de ar cheias de emoção. Aquela que não quisemos
desabafar. Que não quisemos divulgar. Que não quisemos sentir. Agora brilha
transparente e firme como cristal polido. A vida passa por ele. Com todos os
momentos. Todos os sentimentos. Propaga a luz que não sabíamos sentir.
É o fim? Não, é apenas o início de alguma COISA...
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