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quarta-feira, 14 de julho de 2010

(EX) OTÉRICA


Não sei quando tudo começou. Entenda-se por quando em algum tempo, sobre o planeta Terra. Sim, porque também não sei onde. Mas digamos que há alguns anos, resolvi ser membro do rosacrucianismo. Cheguei a frequentar algumas sessões com meu marido, na época. Ele era muito curioso e fanático. Achava que ser membro de uma destas filosofias de vida lhe conferiria o poder metafísico de tornar sua vida melhor. Ele também não admitia que eu fosse melhor do que ele ou que o poder extrasensorial pelo qual ele lutava chegasse às minhas mãos sem qualquer esforço, enquanto ele se dedicava e não obtinha os mesmos resultados.

Não sei da vida dele atualmente. Quanto à minha, sempre optei pela praticidade e pela sobrevivência pacífica acima de qualquer outro poder sobrenatural. Mas, felizmente ou infelizmente, nasci com um poder que devo carregar de outras existências. Acredito que seja por próprio merecimento, uma vez que sempre prezei a liberdade de escolha e sempre respeitei as escolhas dos meus semelhantes. Não sei nem nunca soube impor nada a ninguém, sequer acredito em imposições.

Porém, uma vez dentro do templo Rosa Cruz, em meio à uma sessão de meditação, tive uma visão. Eu me vi há mais de três mil anos, na antiga Atenas. Eu era uma sacerdotisa e como tal não tinha o direito de me apaixonar por ninguém. Eu era apenas consultada pelos cidadãos que desejavam um conselho ou uma previsão para suas vidas. Meu lugar era dentro do templo, onde ervas queimavam e exalavam uma fumaça cheirosa e relaxante, capaz de nos colocar num estado de transe hipnótico. Assim, fora do estado normal de consciência, eu era capaz de profetizar.

Apesar de receber o respeito que cabia aos deuses, eu era apenas uma escrava da minha própria condição. Meu pai era um cidadão ateniense, cheio de respeito, poder e regalias. A minha mãe ocupava a regalia de ser sua esposa. Eu vivia longe deles, uma vez que meu momento de servir à sociedade já havia chegado. Mas eu não era feliz e não me sujeitei às regras sociais. Apaixonei-me por um soldado, que já estava comprometido com outra mulher e fiz tudo para que ele ficasse comigo. Consegui meus intentos e fiquei grávida. Fugi do templo e da cidade. Fui proscrita.

No entanto, o povo ateniense não perdoava uma transgressão. Ainda que eu já vivesse com dificuldades, sozinha no deserto, eles mandaram um sacerdote para me buscar. Meus pais foram punidos pelas minhas transgressões. Perderam a casa, os bens, o poder e os privilégios.

É claro que eu jamais imaginei que eles pudessem ser punidos por minha causa. Achei apenas que eu pagaria pelos meus erros sozinha, como já estava. Grávida e abandonada, eu tinha que lutar pelo meu próprio sustento. Sem contar com nenhuma das regalias do então mundo civilizado, sem o homem por quem eu me apaixonara, sem direito a ser feliz. Pelo menos, eu estava viva. Sempre valorizei a vida acima de qualquer coisa. Mundo espiritual, que nada! A vida contava no aqui e no agora.

Entretanto, oito meses depois, quando minha barriga já estava grande, o sacerdote apareceu. Trouxe uma imensa espada e não me deixou o direito à vida. Eu e o bebê, que eu esperava, fomos sacrificados, com a barriga brutalmente atravessada pela espada cerimonial. Como odiei os crentes e a religião, como odiei os iludidos pelo mundo dos deuses, no qual eu não acreditava mais!

De volta ao templo Rosa Cruz e ao século XX, pude verificar que o sacerdote que me matara fora o mesmo ginecologista obstetra que salvara minha vida quando provocou a dilatação e tirou do meu ventre o feto morto que eu ainda acreditava que estivesse vivo. A mesma alma que antes cobrara minha condenação, agora me salvava da possível morte junto com o feto morto que eu carregava e me dava uma nova chance de vida.

Foi assim que apesar de dar à luz um bebê natimorto, o luto passou a doer menos e aceitei ressarcir minhas dívidas e perdoar àquele que agora me salvava.Aprendi que nada é à toa. E se eu tinha o poder de ver vidas anteriores e reconhecer pessoas, isto não era por acaso, era apenas para me fazer reconhecer a sabedoria divina e ser agradecida pelas dádivas alcançadas.

A vida é realmente difícil. Aqui se faz aqui se paga. Este é um fato. E somos felizes por termos esta oportunidade de nos esclarecermos. Quais as razões da vida? Não sei, só sei que ela sempre vale a pena!

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