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domingo, 6 de junho de 2010

Avenida Faria Lima

Era o mês de outubro, há uns dois anos, justamente nesta época em que o ano ainda não terminou, mas não temos ânimo para fazer mais nada. É o período do ano em que ficamos com outubrite_ uma doença muito comum que ataca a vontade de qualquer professor.

Podemos defini-la como aquele momento do ano em que ainda temos muito trabalho para fazer, mas já fizemos, digamos 90%, então, já não resta energia para fazer mais nada além de empurrar com a barriga por mais dois meses, até o ano acabar.

Bem, eu me levantei, medi a glicemia, que deu 100. Tomei minha insulina como sempre: 20 NHP mais 4 humalog e tomei café da manhã: café com leite e pão com manteiga. As 20 unidades de NHP são para garantir o dia todo, uma vez que sou diabética insulino-dependente; já as 4 unidades de lispro é para garantir a queima de 40 unidades de Carboidrato, referentes ao pão francês e meio copo de leite.

Acordei minha filha, arrumei-a para levá-la à escola, como faço todas as manhãs. Peguei o carro e dirigi. Diariamente, eu dirijo uns três quilômetros até a escola da Fê, então continuo por mais uns quatro quilômetros até meu trabalho. Detalhadamente, moro na esquina da Corifeu com a Politécnica. Dirijo até as proximidades da Vital Brasil para deixar a Fernanda, então atravesso a ponte Eusébio Matoso, paro na primeira travessa e vou ao trabalho.

Mas, neste dia, antes de sair de casa, senti muito sono. Não me preocupei, afinal, quem não sente sono de manhã? Ou ainda, eu sempre sinto sono apesar de levantar cedo e ir logo ao trabalho. Muitas vezes o sono continua até umas oito horas. Então, nem me preocupei. Porém o sono continuou mesmo enquanto eu dirigia, com a Fernanda no banco de trás do carro. Eu bocejava muito.

Para dirigir, ainda mais a esta hora da manhã, nós não precisamos do cérebro, ou melhor, da consciência. O corpo faz tudo automaticamente. Muda a embreagem e acelera sem qualquer pensamento a respeito. Se o semáforo está vermelho e os carros param, todos param também. Se o semáforo fica verde e os carros seguem, todos os outros seguem. É só não aparecer nenhum motorista metido a esperto e fechar outro motorista, que todos os carros seguem num mesmo ritmo e chegam a seu destino.

Entretanto, não sei como, eu continuei dirigindo até a Rebouças, esquina com a Faria Lima. Eu era a primeira no semáforo. Então, alguém se aproximou da janela do meu carro, que estava fechada como sempre, e me perguntou:

_ Você está bem? Está parada neste semáforo há algum tempo.

Foi somente aí que eu notei que não estava bem. Mas levei um susto com alguém estranho de repente chegando perto da minha janela e perguntando se eu estava bem. Num reflexo, segui com o carro e continuei até a primeira travessa à direita, numa pequena rua tranqüila, com um prédio em construção. Estacionei o carro, notei que minha filha tinha dormido no banco traseiro. Peguei sua lancheira e comi seu lanche. Era uma crise de hipoglicemia. O remédio era comer.

Depois de comer todo o lanche da Fernanda, notei que eu não tinha idéia de como havia parado na Faria Lima. Fiquei apavorada e voltei para casa. A estas alturas, eu tinha uma terrível dor de cabeça, o que sempre acontece quando a glicemia, ou seja, a taxa de açúcar no sangue abaixa demais e sobe de repente, porque eu comi.

Passei o resto do dia com dor de cabeça, com medo e com culpa. Eu não sabia como eu tinha perdido a consciência enquanto dirigia. Porém, senti medo de que eu pudesse ter causado um acidente grave e ainda colocasse a vida da Fernanda em risco. Agradeci ao meu anjo da guarda, em que, neste momento, eu passei a acreditar. Surpreendi-me com o fato de que ainda inconsciente, eu tivesse conseguido resolver a situação da melhor forma possível.

Depois, fui ao médico e a minha endocrinologista explicou:

_A reação da insulina de longa duração, a NPH, quando começa a fazer efeito é intenso. Então, o ideal seria você tomar menos insulina no café da manhã e fracioná-la: no café da manhã e no almoço. Além disso, você precisa tomar menor quantidade de insulina de efeito rápido, a humalog, ou lispro, no café da manhã.

_Como eu perdi a consciência e não suei? O que normalmente ocorre no momento em que o açúcar no organismo abaixa muito? Eu perguntei à doutora.

_Isto ocorreu porque quando a taxa de glicemia está próxima do nível normal, há menores reações químicas no organismo. Estas reações, como suor em excesso, são mais comuns quando a glicemia está acima do nível ideal de controle.

Então, eu concluí que era mais seguro ter um excesso de açúcar no sangue do que ter nível de açúcar abaixo do normal. Afinal, não são os músculos que sentem o maior efeito, mas o cérebro. E não há nada pior do que perder a consciência. Enquanto o excesso de açúcar provoca a morte lenta, a falta de açúcar provoca a morte rápida.

O que eu iria preferir?

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