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domingo, 16 de maio de 2010

Onde está o bebê?

O início

Era sete de novembro de 1997, eu estava na cozinha, estreita, de 1,50m por 3m, em frente à pia, lavando alguns maços de verdura, pois precisava seguir uma dieta rígida. Estivera com colesterol alto e hiperglicemia. Então, abri a porta da geladeira e peguei o maço de brócolis que comprara há uns quinze dias. Para minha surpresa, no lugar da verdura estava um ramalhete de pequenas florzinhas amarelas. Lembrei que era meu aniversário e comecei a chorar, pois sentia como se o pequeno Felipe _ pois este seria o nome do bebê_ estivesse me homenageando.

Tudo era profundamente doloroso. O bebê estaria com cerca de cinco meses de vida, mas nascera morto. Era um natimorto, em linguagem técnica; no entanto, para mim, era um bebê grande e sorridente. Eu o via como se estivesse sempre ao meu lado. Afinal, ele me dera alegria, força e me consolara.

Aquele pé de brócolis impossível de ser comido alimentava meu coração e minhas expectativas maternais de que meu filho estava vivo. Eu o via, ele falava comigo. Ele sorria porque sabia que eu o amava. No entanto, eu me recusara a ver seu corpo morto. Pedi que ele fosse cremado, mas não o levei ao crematório, não o lavei, não o vesti, não o vi dentro do caixão. Mas chorei sua morte por seis longos meses. Eu estivera em licença maternidade, passara todos os dias em casa e chorava de manhã, de tarde e de noite, sem ter com quem desabafar. O Demétrius não queria que eu chorasse. Ser pai deixava-o inseguro e agitado.

Lembro quando, por volta de onze da noite, eu torcera o pé ao descer a calçada para entrar no Mc Donald´s, saindo do estacionamento em frente de casa. Eu estava com um barrigão e o Mc estava quase fechando.

_Vamos logo porque eu QUERO COMER ESTE LANCHE! Gritou o Demétrius.

Ele estacionou o carro, porém tínhamos que andar do estacionamento até a loja. Eu me distraí e ao passar pelo meio fio, pisei em falso, torci o pé e caí. Para quem tinha 50k g antes, eu estava gorda! Pesava 58k g e era meio desajeitada para andar e me movimentar. A barriga estava grande, levantar sozinha era uma dificuldade. Meu tornozelo doía muito. O Demétrius me ajudou a levantar; porém, até chegarmos à porta, as luzes da lanchonete se apagaram e tudo ficou trancado.

_Mas que droga, Silvia! Por que você fez isto? EU NÃO DISSE QUE QUERIA COMER UM LANCHE?

É , para variar, eu era culpada por não conseguir realizar um de seus desejos! Daí em diante, tive que ouvir reclamações histéricas de um homem grosseiro e estúpido com o qual eu me casara aos vinte e poucos anos.

O Felipe morrera por minha culpa. Afinal, o que era ser uma diabética grávida?
Eu entrara no sétimo mês, um período em que normalmente não se tem mais enjôos. Tinha ido ao trabalho, porém eu me sentia muito cansada e enjoada. Fui para casa. No dia seguinte, eu continuava me sentindo mal. Liguei para uma amiga médica homeopata:

_Oi, tudo bem, doutora?

_Tudo. E você?

_Eu não estou me sentindo bem, estou muito cansada e com bastante enjôo. Nem nos primeiros meses de gravidez eu me sentia tão enjoada.

_Silvia, vá para o Pronto Socorro e verifique o que está acontecendo.

_Tá bom, doutora!

Liguei para minha sogra e disse que iria para o Pronto Socorro. Ela se ofereceu para me acompanhar. Então, o Clínico Geral me atendeu e eu disse como estava me sentindo. Ele recomendou que eu fizesse um ultrassom, pois não ouvia os batimentos cardíacos do bebê. No ultrassom, o médico perguntou:

_O feto tinha alguma má formação?

_Não, doutor, no último ultrassom ele estava normal e saudável.

_Não há batimento cardíaco. Concluiu o médico.

Como assim não há batimento cardíaco? Eu pensei. Então, fiquei internada. Fui colocada na UTI, onde ligaram vários fios para acompanhar minha respiração e meus batimentos cardíacos, pois eu respirava com dificuldade e sentia muita dor no peito.
Um aparelho de TV estava preso próximo do teto e ligado. Eu pude assistir à propaganda de lançamento do Fiat Marea : bonito, espaçoso, com bom acabamento, parecia um carro grande e confortável. Lembro inclusive da trilha sonora, que eu só conseguia acompanhar com o lálálá lá lálálá lálá.

Passei a noite na UTI tomando soro e com constantes medidas dos batimentos cardíacos. Dormi e sonhei com o pequeno Felipe, ele estava feliz, olhava para mim e sorria. Ele era tão real! Dormi feliz e em paz!

No dia seguinte, fui levada para o quarto do hospital. Então, o Dr. Henrique, o obstetra com o qual eu entrara em contato há alguns dias, foi até o quarto e disse:

_Silvia, o bebê está morto! Sua glicemia está alta, então não será seguro tirá-lo com uma cesárea, pois você pode ter uma infecção e não sarar. Vamos ter que induzir o parto, você terá que dar à luz um bebê morto.

Eu já desconfiava que o bebê tivesse morrido, embora não pudesse acreditar neste fato. Então, muito prática e objetiva, como sempre, tudo o que eu disse foi isto:

_Tudo bem, doutor, eu só não quero vê-lo.

_Como você quiser.

Então, começaram a aplicar soro nas minhas veias para provocar a dilatação e induzir o parto. Fiquei um dia e algumas horas tomando soro. Levaram-me a uma cama especial no Centro Obstétrico, ela era muito estreita e eu tinha que ficar com as pernas abertas e penduradas, como se fosse fazer um exame de colo de útero. Os médicos que me acompanhavam até a chegada do Dr. Henrique, andavam de um lado para outro, enquanto eu sentia dor, e, em seguida, quando esperavam que a anestesia aplicada na coluna vertebral fizesse efeito, eles conversaram:

_Então, vai vender o carro?

_Vou, só não decidi que carro comprar.

_Você conseguiu o dinheiro ou vai financiar?

_Consegui um financiamento. A concessionária realiza tudo para mim, basta levar os documentos.

_Mas por que você não vende na concessionária?

_Porque eles vão pagar menos do que o cara para quem eu vou vender.

É um assunto absurdo falar sobre automóveis enquanto uma paciente está acordada, emocionalmente abalada e sentindo dores? Concordo! Os médicos podem não demonstrar nenhum respeito pela vida e pelo sofrimento dos pacientes. Deviam ensinar nas Faculdades de Medicina que o silêncio é recomendável para demonstrar respeito pela dor dos pacientes.

Ao final da noite, o Dr. Henrique estava lá para tirar o bebê. Conforme eu pedira, eu não vi nada. Acordei no quarto do hospital no dia seguinte, quando conheci a Drª Flávia, endocrinologista conhecida do Dr. Henrique, que trabalhava com o mesmo convênio. Ela tinha cerca de 1,50m, era clara,tinha olhos e cabelos castanhos na altura dos ombros. Depois de se apresentar, ela me perguntou:

_Você conhece insulina Regular?

_Não.

_É uma insulina que se toma para controlar a glicemia quando a taxa está alta, mesmo fazendo uso da insulina diária NPH. A insulina Regular começa a fazer efeito duas horas depois de injetada. Seu pico ocorre cerca de quatro horas depois de aplicada, enquanto a NPH demora mais para fazer efeito. Ela começa a funcionar depois de quatro horas, no entanto, funciona durante um dia inteiro; enquanto que a Regular faz um efeito mais rápido, porém dura menos tempo.

_Doutora, nunca ouvi falar disso!

A doutora saiu do quarto muito irritada, pisando firme, talvez julgasse que a morte do Felipe podia ter ocorrido por negligência média. Bem, eu penso nisso até hoje. A doutora Flávia me manteve no hospital por uma semana, pois segundo ela:

_Você vai ficar aqui até conseguir controlar a glicemia.

Eu fiquei uma semana seguindo a dieta estipulada, tomando remédios e nada de controle! Controle! O que é isto?

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