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domingo, 30 de maio de 2010

Comida

Eram dez horas da manhã, sábado, dia de visita no hospital. Depois de pegarem o elevador no segundo prédio, tinham que passar por um vigia que verificava o que as visitas estavam levando. Tinham que abrir as bolsas ou sacolas que carregavam para mostrar se não estavam levando chocolate, doces, salgadinhos, comida, enfim, para as pacientes da obstetrícia que seguiam um regime forçado de duas mil calorias diárias.

Os visitantes se dirigiam para a sessão em que as grávidas apresentavam problemas renais, hipertensão arterial, problemas cardíacos ou diabetes. Eram restrições para uma gravidez segura e saudável. E em todos estes casos, o regime alimentar era não apenas aconselhável, mas obrigatório.

Dona Rita e seu genro estavam na fila da visita como todos os dias: sábados e domingos das 10h às 18h, segunda a sexta das 16h às 18h. Para as pacientes este era um momento importante, quando tinham contato com o mundo fora das paredes do hospital. No entanto, nesta época, o hospital estava ainda mais tumultuado devido à doença do Governador Mário Covas, que estava internado em tratamento no mesmo hospital, em outro prédio.

Quando os visitantes começavam a aparecer notava-se a movimentação no corredor e a euforia das pacientes. Se as mulheres já são seres complicados, grávidas então, ficam mais complicadas. É claro que nem todas são iguais, porém a sensibilidade aumenta numa intensidade absurda e qualquer coisinha pode magoar ou alegrar com a mesma facilidade.

A verdade é que quando os visitantes se aproximam dos quartos, até o coração dispara.

_Oi, filha!

_Oi, mãe!

Dona Rita e sua filha se abraçam. Sônia começa a chorar.

_Não agüento mais isto aqui! Eu quero ir embora!

_Calma, logo, logo, você sai daqui com o bebê.

_Mas que droga, eu não tenho mais vida! Sou uma encubadeira que vocês estão esperando completar a carga e desovar?

_Filha, não fale assim! Não existe nada mais importante do que a maternidade.

_Caramba, e a minha vida? Não consigo mais ficar aqui, vou ficar louca. Desmaio todos os dias. Olha os meus braços! Sônia estendia os braços e mostrava os hematomas.

_ Estas enfermeiras sanguinárias só fazem me furar e são tão imbecis que não acham minhas veias. Então ficam furando até os braços ficarem bastante roxos.

Luís pegava os braços da mulher e olhava. Ele sempre quis ser pai, mais do que tudo, mas não imaginou que tudo fosse tão doloroso ou tão difícil. Ia ao hospital todos os dias. Saía do trabalho, passava na casa da sogra e a levava para o hospital. Mas toda vez que chegavam lá era para ver Sônia com os braços furados e roxos. Já fazia três meses que ela estava internada, de acordo com os médicos, era para controlar a glicemia. Mas que porcaria eles estavam fazendo que não controlavam? Que brincadeira era essa?

_Filha, olha só o que nós trouxemos para você! Dizia Dona Rita, abrindo a sacola, tirando um embrulho de toalha e pijama e abrindo-o com cuidado.

_O Luís fez chuchu refogado e eu refoguei escarola para você comer. Fiz dois maços de escarola.

_Oba, que maravilha! Dizia Sônia. Meninas, vamos comer escarola e chuchu no almoço de hoje!

As três colegas de quarto até comemoravam. Elas comiam muito bem quando a Sônia recebia visitas. A fome era tanta que maços e maços de verdura nunca era o suficiente. Além disso, é bom que se explique, não há limite para o tanto de verdura que se coma, na verdade, quanto mais verdura, melhor, mais vitamina C, mais sais minerais, mais vibras, o intestino funciona melhor e o estômago fica com a sensação de saciedade, por isso a fome passa. É o ideal de dieta.

Chegava a hora do almoço, no hospital era em torno de 11h, quando as refeições eram servidas. A comida era boa, sempre tinha bastante arroz, feijão, um prato pequeno de salada, gelatina ou um pedaço de fruta. Também serviam um copo de suco. Porém ninguém tinha o direito de repetir a refeição, nem mesmo podiam comer qualquer outro tipo de comida além do que era servido, porque fazia parte da dieta. Então, era comum terminarem a refeição e não sentirem saciedade, a não ser quando Dona Rita preparava algum legume ou verdura especial e escondia dentro de uma vasilha, empacotada no meio de roupas ou de toalha.

As pequenas coisas da vida são as que trazem maior felicidade!

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