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domingo, 20 de junho de 2010

Pedido de Casamento

Sentada à mesa diante de uma toalha xadrez de branco e vermelho, Teresa via o passado diante de si. Sentia o calor dos primeiros brilhos do sol de verão, animava-a o cheiro de café que sua cafeteira elétrica fazia enquanto aguardava que o pão com manteiga que colocara na frigideira se transformasse em torradas.

Lembrava daquela manhã em que as irmãs tomavam café juntas: Teresa, Alice, Mônica e Berenice. Teresa, a mais velha, era também a mais voluntariosa. Tinha dezoito anos e era determinada, cheia de vontades. Cabelos cheios, longos e ondulados, molduravam seu perfil grego, lábios grossos, mas nem tanto, nariz afilado, reto, olhos grandes e olhar profundo. Lembrava-se da meninice. Sempre liderando grandes rebeliões, com sua beleza e decisão. Maria, a mãe, identificava-se com ela, embora parecesse uma irmã mais jovem ao invés de filha. Afinal, quando Teresa nascera, Maria tinha quatorze anos.

_Dona Maria, cadê o pai? Perguntava Teresa.

_Está na roça com seu avô. Por que Teresa?

_Avise-o que hoje à noite, o José vem pedir minha mão.

_O quê? Que José? Aquele cuja mãe trabalha na casa do lampião?

_É ele mesmo.

_Mas Teresa, você não acha que merece coisa melhor?

_Dona Maria, namorado não é coisa. Ele me ama e quer casar comigo. E eu quero sair desta casa. Quero ter a minha casa.

_Vejamos se seu pai vai concordar.

_ O pai vai concordar. Ele nunca me diz não.

Maria tomou um gole de café para ajudá-la a engolir aquela seca desfeita. Como sua filha Teresa, uma moça tão bonita, seria esposa do sujeito mais desclassificado das redondezas?

***

Era o pôr do sol quando José chegou. Naquele dia, ele evidentemente fizera a barba, usava paletó e gravata e colônia após a barba. Estava mesmo apresentável. Quem diria que não passava do filho de uma mulher de má vida! Com que homem sua filha pretendia se casar? Ângelo estava no banheiro, terminando de se lavar para receber o pretendente da filha. Quando entrou na sala de estar, suas filhas se retiraram ao verem a figura do pai austera. Maria fizera o mesmo, torcendo em silêncio para que o marido não permitisse o galanteio. Ângelo olhava aquele sujeito que pretendia levar-lhe a primogênita.

_O que você tem a oferecer a minha filha, seu José?

_Estou trabalhando. Arrumei um emprego no mercado.

_Você não acha que minha filha merece se casar com alguém mais respeitável do que o filho de uma senhora de má fama?

_A gente não tem culpa da mãe que tem. Além disso, seja lá como for, ela me criou um homem honesto. Sempre foi sozinha. Nunca teve ninguém que a ajudasse. O senhor é conhecido nas redondezas como um homem justo. Sabe que não se pode julgar os outros pelas aparências. Como minha mãe criaria um filho se não fosse fazendo o que ela faz?

_E o senhor acha que um pai deve concordar em entregar a mão de sua filha para um filho de mãe solteira? Não acha que ela pode ter coisa melhor e que por isso eu não posso concordar com seu pedido?

_Aqui, no meio do mato, não há muitas opções. Mas entendo sua preocupação de pai, ainda que eu vá fazer o melhor para ela. Só não prometo que vou desistir.

Ângelo ficou calado por um instante. Então, chamou a filha:

_Teresa, venha aqui! Você está decidida a se casar com este homem?

_Estou pai.

_Teresa, uma vez decidida, você não terá como voltar atrás. Tem certeza?

_Sim, pai.

_Então, seja feita a sua vontade.

Ângelo entrou no quarto e não disse nada. Sentou na beira da cama e começou a chorar. Maria viu o marido arrasado. Porém, ele já dera sua permissão. Se estivesse no poder de Maria decidir, ela mandaria a filha para a casa da irmã em São Paulo. Quem sabe se por lá Teresa encontraria melhores oportunidades e esqueceria o pretendente ruim. Se tudo o que Teresa queria era sair da casa do pai. Existiriam outras opções. Por que amarrar a vida à de um rapaz sem eira nem beira?

Um mês depois, a cerimônia se realizava na pequena igreja do então povoado de Itapetininga. Ângelo Marino, de terno preto e gravata, vestimenta raramente usada uma vez que era mecânico, entrava de braço dado com a filha mais velha. Estava todo elegante, imponente, de olhos azuis inchados de tão vermelhos,o que se julgou emoção de pai com a cerimônia de casamento da primogênita.

Entretanto, os convidados não imaginavam que minutos antes ele entrara no quarto das filhas, aflito, nervoso:

_Teresa, por favor, não teime com isso. Este José não vai lhe fazer feliz, minha filha. Se tudo o que você quer é ir embora, eu e sua mãe conversamos com sua tia Dole e vamos mandá-la para São Paulo. Lá é uma cidade grande, a capital. Você poderá conhecer outras pessoas, arrumar um emprego. Pode até ir trabalhar na feira com sua tia. Será uma boa oportunidade para conhecer pessoas, aprender coisas novas, começar sua própria vida. O que você me diz? É claro que eu não gostaria de vê-la longe, mas, minha filha, este José é um homem irresponsável, vive mudando de emprego. Está sempre bêbado, foi criado com mulheres da vida. O que você espera encontrar? Ele não será responsável o suficiente para formar uma família. Por favor, minha filha, desista!

As outras irmãs escutavam atrás da porta do quarto, junto com a mãe, que torcia para Teresa mudar de ideia. Ela sabia que a filha era teimosa, mas acreditava que se lhe fosse dada uma alternativa mais interessante, ela tomaria outra decisão. Além disso, Maria nunca vira Ângelo tão desesperado.

Mas, inesperadamente, a crueldade tomou conta da decisão de Teresa. Aparentemente tratava-se de uma crueldade com o pai que implorava de joelhos para que Teresa não se casasse. No entanto, ela só descobriria depois que a crueldade era dela consigo, já que esta seria a única e definitiva decisão de sua vida.

_Eu vou me casar, pai!

Ângelo, bondoso como sempre, acatou a decisão da filha até o fim. Apesar de saber que ela não seria feliz, deu-lhe o poder de decidir sobre sua vida. Porém, ele não esperava que uma semana depois, às dez da noite, batessem à sua porta.

Era Teresa.

_Pai, eu não vou continuar mais casada. O Zé chegou em casa bêbado pela segunda vez nesta semana. Assim não dá para viver com ele!

Ângelo, com o coração oprimido, mas acreditando fazer o que era certo, disse-lhe:

_Teresa, quem come a carne tem que roer o osso! Eu não lhe pedi para desistir deste casamento? Eu não implorei que você mudasse de idéia? Eu não lhe ofereci outra opção? Agora, assuma a responsabilidade, minha filha. Seja forte!

Assim, Ângelo, pegou a alça da mala da filha e levou-a até o portão da frente. Teresa que sempre foi tão decidida, nunca mais teve um momento de fraqueza. Pegou sua mala, levantou a cabeça e nunca mais a abaixou, a não ser neste momento em que aos oitenta e cinco anos, Teresa olhava a toalha da mesa e recordava dos pais falecidos. Era tarde para lamentar!

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